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Artigo – Agricultura irrigada e os desafios para a produção sustentável de alimentos

Lineu Neiva Rodrigues, pesquisador da Embrapa Cerrados

Dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) indicam que, para atender ao crescimento populacional e às novas demandas por alimentos, a produção mundial de cereais terá que aumentar cerca de 1 bilhão de toneladas até o ano 2030. Esse aumento previsto dependerá prioritariamente da disponibilidade hídrica para suprir as demandas de irrigação, que será responsável por atender cerca de 80% dessa produção adicional de alimentos que ocorrerão entre 2001 e 2025.

Com estimativa atualizada de cerca de 7 milhões de hectares irrigados, o Brasil é um dos poucos países do mundo, se não o único, com capacidade de triplicar essa área com sustentabilidade, trazendo contribuições efetivas para o meio ambiente, para o desenvolvimento social e econômico do País, com geração de empregos estáveis e duradouros.

Alguns fatores inerentes à agricultura moderna, no entanto, contribuem para intensificar e ampliar as dificuldades associadas aos desafios de aumentar a produção de alimentos para o patamar necessário. Dentre esses fatores, destacam-se os seguintes: a redução da disponibilidade de terras aráveis; as assimetrias no crescimento populacional, na produção de alimentos e na oferta hídrica; a multifuncionalidade da agricultura; e as mudanças climáticas.

Não se pode pensar em segurança alimentar dissociada da segurança hídrica, pois para produzir alimento uma quantidade significativa de água deve ser mobilizada. É importante destacar, entretanto, que apenas uma parte da água utilizada na produção de alimentos é constituída de água azul – água retirada dos rios. Um complicador para a agricultura irrigada é que a demanda por água azul varia muito de ano para ano. Isso se dá em razão da grande variabilidade da chuva e também do momento em que ela ocorre.

Essa variação da demanda de ano para ano dificulta a gestão, fazendo-se necessário desenvolver estratégias de gestão específicas para a agricultura irrigada. Essa constatação é ainda mais importante nas bacias hidrográficas consideradas críticas em relação à baixa disponibilidade hídrica.

O ambiente agrícola está cada vez mais dinâmico e restritivo, demandando do agricultor uma visão mais abrangente em relação ao agronegócio. O objetivo de produzir mais alimentos deve ser visto dentro de uma abordagem mais ampla, considerando os aspectos de sustentabilidade ambiental, ou seja, produzir mais alimentos com melhor qualidade e com menores danos aos recursos naturais.

Nesse sentido, os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos devem ser adequadamente utilizados, sendo necessário para isso estimativas corretas da quantidade de água utilizada em cada um dos setores usuários. No caso da agricultura irrigada, devido às suas características, como, por exemplo, sua forte relação com as condições climáticas, as incertezas associadas às estimativas da quantidade de água utilizada são maiores e mais evidentes.

É importante observar que os números apresentados oficialmente sobre uso da água na agricultura são valores médios e apresentam grandes variações regionais e temporais. No sentido de melhorar a comunicação com a sociedade e o planejamento e a gestão de recursos hídricos, é importante trabalhar continuamente no aprimoramento das estimavas das quantidades de água utilizadas pelos diversos setores. Estimativas com base em números médios devem ser feitas e utilizadas com muita cautela, pois são difíceis de ser adequadamente interpretadas e entendidas pela sociedade. A demanda de água real é muito variável, e o importante para o usuário final e para a gestão é o que está ocorrendo em uma região em determinado momento. Isto é, dado um conjunto de demandas hídricas em um local, existe água em quantidades suficientes para atender a essa demanda?

É de conhecimento que a agricultura, em especial a agricultura irrigada, tem passado por um profundo processo de transformação tecnológica. No contexto nacional, existe uma conjunção de fatores que são favoráveis ao seu desenvolvimento, tais como: recursos humanos formados e com bom conhecimento básico; indústria competitiva e de alta tecnologia; leis de recursos hídricos consolidadas; lei da Política Nacional de Irrigação (Lei 12.787/2013) aprovada; tecnologia disponível; e legislação ambiental clara. Por outro lado, existem ainda alguns fatores que são desfavoráveis ao seu crescimento, dentre os quais se destacam: recursos humanos com pouca visão estratégica de negócios; debilidade institucional; ingerência política; controle ambiental excessivo; prevalência da visão de obra sobre as demais etapas dos projetos públicos de irrigação; falta de regulamentação da Lei de Irrigação.

O crescimento da irrigação não pode mais ser fundamentado apenas no aumento do uso de recursos hídricos. O crescimento desejado e possível é cada vez mais dependente dos ganhos de eficiência nos sistemas já existentes. Um dos desafios da agricultura irrigada é a promoção do irrigar com qualidade. Isto quer dizer que deve ser buscado continuamente uma elevada eficiência e produtividade de uso das águas.

Sem dúvida alguma, um dos caminhos para reduzir os conflitos pelo uso da água em bacias hidrográficas com predominância da agricultura irrigada é por meio do uso racional da água e do aumento da eficiência de irrigação. Entretanto, a falta de consenso na definição e na aplicação de critério para avaliar a qualidade da irrigação nas diferentes situações, a não consideração da escala do problema e a falta de uma análise mais abrangente têm dificultado a comparação do desempenho dos sistemas de irrigação nas diferentes regiões e o estabelecimento de metas mais qualificadas e realistas para a melhoria da eficiência irrigação na escala da bacia hidrográfica.

No Brasil, de maneira geral, a eficiência de irrigação tem que ser melhorada, mas é importante que se ressalte que a irrigação não é a razão para os problemas hídricos observados recentemente no País. Já existem conhecimentos e tecnologia suficientes para promover o uso sustentável e racional da água na agricultura. Outro desafio é fazer com que os conhecimentos e as tecnologias disponíveis sejam efetivamente apropriados pela maioria dos irrigantes, que, por sua vez, devem ter uma visão integrada e sistêmica dos recursos hídricos.

Rodrigues et. al (2017)* destacam que agricultura irrigada terá que se adaptar a uma sociedade cada vez mais dinâmica, exigente quanto à alimentação e quanto às questões sociais e ambientais e que, para isso, terá que enfrentar desafios institucionais, políticos, ambientais, estruturais, científicos, de capacitação, de comunicação, técnicos, tecnológicos e climáticos.

São vários desafios a serem enfrentados, mas sem dúvida alguma os principais e de mais difíceis soluções são aqueles que não dependem somente do agricultor, tais como: (i) a gestão de recursos hídricos, que é peça chave no processo de ordenamento do uso de recursos hídricos e de segurança hídrica. Uma gestão adequada deve ser capaz de considerar as especificidades inerentes a cada setor usuário e as estratégias a serem adotadas para se alcançar o uso sustentável; (ii) integração efetiva e verdadeira das ações institucionais e das políticas públicas setoriais. Essa integração parece simples de ser feita, mas é muito difícil de ser operacionalizada. Como, por exemplo, pensar em segurança alimentar sem se pensar em segurança hídrica e energética? Como pensar em segurança alimentar sem considerar, por exemplo, um trabalho integrado dos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente? Como pensar em segurança alimentar sem que o produtor tenha segurança na sua atividade?

Os irrigantes brasileiros têm demonstrado, ao longo de décadas, criatividade e resiliência para responder aos mais variados tipos de mudanças, mas precisam de políticas de Estado efetivas que deem à sua atividade segurança jurídica, ambiental, hídrica e energética para que possam continuar fazendo o que sabem fazer de melhor: produzir alimentos com sustentabilidade.

*Rodrigues, Lineu N; Domingues, F.D. ;CHRISTOFIDIS, D. . Agricultura irrigada e produção sustentável de alimento. In: Lineu Neiva Rodrigues; Antônio Félix Domingues. (Org.). Agricultura irrigada: desafios e oportunidades para o desenvolvimento sustentável. 1ed.Fortaleza: INOVAGRI, 2017, v. 1, p. 21-108.

Lineu Neiva Rodrigues, pesquisador da Embrapa Cerrados

Dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) indicam que, para atender ao crescimento populacional e às novas demandas por alimentos, a produção mundial de cereais terá que aumentar cerca de 1 bilhão de toneladas até o ano 2030. Esse aumento previsto dependerá prioritariamente da disponibilidade hídrica para suprir as demandas de irrigação, que será responsável por atender cerca de 80% dessa produção adicional de alimentos que ocorrerão entre 2001 e 2025.

Com estimativa atualizada de cerca de 7 milhões de hectares irrigados, o Brasil é um dos poucos países do mundo, se não o único, com capacidade de triplicar essa área com sustentabilidade, trazendo contribuições efetivas para o meio ambiente, para o desenvolvimento social e econômico do País, com geração de empregos estáveis e duradouros.

Alguns fatores inerentes à agricultura moderna, no entanto, contribuem para intensificar e ampliar as dificuldades associadas aos desafios de aumentar a produção de alimentos para o patamar necessário. Dentre esses fatores, destacam-se os seguintes: a redução da disponibilidade de terras aráveis; as assimetrias no crescimento populacional, na produção de alimentos e na oferta hídrica; a multifuncionalidade da agricultura; e as mudanças climáticas.

Não se pode pensar em segurança alimentar dissociada da segurança hídrica, pois para produzir alimento uma quantidade significativa de água deve ser mobilizada. É importante destacar, entretanto, que apenas uma parte da água utilizada na produção de alimentos é constituída de água azul – água retirada dos rios. Um complicador para a agricultura irrigada é que a demanda por água azul varia muito de ano para ano. Isso se dá em razão da grande variabilidade da chuva e também do momento em que ela ocorre.

Essa variação da demanda de ano para ano dificulta a gestão, fazendo-se necessário desenvolver estratégias de gestão específicas para a agricultura irrigada. Essa constatação é ainda mais importante nas bacias hidrográficas consideradas críticas em relação à baixa disponibilidade hídrica.

O ambiente agrícola está cada vez mais dinâmico e restritivo, demandando do agricultor uma visão mais abrangente em relação ao agronegócio. O objetivo de produzir mais alimentos deve ser visto dentro de uma abordagem mais ampla, considerando os aspectos de sustentabilidade ambiental, ou seja, produzir mais alimentos com melhor qualidade e com menores danos aos recursos naturais.

Nesse sentido, os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos devem ser adequadamente utilizados, sendo necessário para isso estimativas corretas da quantidade de água utilizada em cada um dos setores usuários. No caso da agricultura irrigada, devido às suas características, como, por exemplo, sua forte relação com as condições climáticas, as incertezas associadas às estimativas da quantidade de água utilizada são maiores e mais evidentes.

É importante observar que os números apresentados oficialmente sobre uso da água na agricultura são valores médios e apresentam grandes variações regionais e temporais. No sentido de melhorar a comunicação com a sociedade e o planejamento e a gestão de recursos hídricos, é importante trabalhar continuamente no aprimoramento das estimavas das quantidades de água utilizadas pelos diversos setores. Estimativas com base em números médios devem ser feitas e utilizadas com muita cautela, pois são difíceis de ser adequadamente interpretadas e entendidas pela sociedade. A demanda de água real é muito variável, e o importante para o usuário final e para a gestão é o que está ocorrendo em uma região em determinado momento. Isto é, dado um conjunto de demandas hídricas em um local, existe água em quantidades suficientes para atender a essa demanda?

É de conhecimento que a agricultura, em especial a agricultura irrigada, tem passado por um profundo processo de transformação tecnológica. No contexto nacional, existe uma conjunção de fatores que são favoráveis ao seu desenvolvimento, tais como: recursos humanos formados e com bom conhecimento básico; indústria competitiva e de alta tecnologia; leis de recursos hídricos consolidadas; lei da Política Nacional de Irrigação (Lei 12.787/2013) aprovada; tecnologia disponível; e legislação ambiental clara. Por outro lado, existem ainda alguns fatores que são desfavoráveis ao seu crescimento, dentre os quais se destacam: recursos humanos com pouca visão estratégica de negócios; debilidade institucional; ingerência política; controle ambiental excessivo; prevalência da visão de obra sobre as demais etapas dos projetos públicos de irrigação; falta de regulamentação da Lei de Irrigação.

O crescimento da irrigação não pode mais ser fundamentado apenas no aumento do uso de recursos hídricos. O crescimento desejado e possível é cada vez mais dependente dos ganhos de eficiência nos sistemas já existentes. Um dos desafios da agricultura irrigada é a promoção do irrigar com qualidade. Isto quer dizer que deve ser buscado continuamente uma elevada eficiência e produtividade de uso das águas.

Sem dúvida alguma, um dos caminhos para reduzir os conflitos pelo uso da água em bacias hidrográficas com predominância da agricultura irrigada é por meio do uso racional da água e do aumento da eficiência de irrigação. Entretanto, a falta de consenso na definição e na aplicação de critério para avaliar a qualidade da irrigação nas diferentes situações, a não consideração da escala do problema e a falta de uma análise mais abrangente têm dificultado a comparação do desempenho dos sistemas de irrigação nas diferentes regiões e o estabelecimento de metas mais qualificadas e realistas para a melhoria da eficiência irrigação na escala da bacia hidrográfica.

No Brasil, de maneira geral, a eficiência de irrigação tem que ser melhorada, mas é importante que se ressalte que a irrigação não é a razão para os problemas hídricos observados recentemente no País. Já existem conhecimentos e tecnologia suficientes para promover o uso sustentável e racional da água na agricultura. Outro desafio é fazer com que os conhecimentos e as tecnologias disponíveis sejam efetivamente apropriados pela maioria dos irrigantes, que, por sua vez, devem ter uma visão integrada e sistêmica dos recursos hídricos.

Rodrigues et. al (2017)* destacam que agricultura irrigada terá que se adaptar a uma sociedade cada vez mais dinâmica, exigente quanto à alimentação e quanto às questões sociais e ambientais e que, para isso, terá que enfrentar desafios institucionais, políticos, ambientais, estruturais, científicos, de capacitação, de comunicação, técnicos, tecnológicos e climáticos.

São vários desafios a serem enfrentados, mas sem dúvida alguma os principais e de mais difíceis soluções são aqueles que não dependem somente do agricultor, tais como: (i) a gestão de recursos hídricos, que é peça chave no processo de ordenamento do uso de recursos hídricos e de segurança hídrica. Uma gestão adequada deve ser capaz de considerar as especificidades inerentes a cada setor usuário e as estratégias a serem adotadas para se alcançar o uso sustentável; (ii) integração efetiva e verdadeira das ações institucionais e das políticas públicas setoriais. Essa integração parece simples de ser feita, mas é muito difícil de ser operacionalizada. Como, por exemplo, pensar em segurança alimentar sem se pensar em segurança hídrica e energética? Como pensar em segurança alimentar sem considerar, por exemplo, um trabalho integrado dos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente? Como pensar em segurança alimentar sem que o produtor tenha segurança na sua atividade?

Os irrigantes brasileiros têm demonstrado, ao longo de décadas, criatividade e resiliência para responder aos mais variados tipos de mudanças, mas precisam de políticas de Estado efetivas que deem à sua atividade segurança jurídica, ambiental, hídrica e energética para que possam continuar fazendo o que sabem fazer de melhor: produzir alimentos com sustentabilidade.

*Rodrigues, Lineu N; Domingues, F.D. ;CHRISTOFIDIS, D. . Agricultura irrigada e produção sustentável de alimento. In: Lineu Neiva Rodrigues; Antônio Félix Domingues. (Org.). Agricultura irrigada: desafios e oportunidades para o desenvolvimento sustentável. 1ed.Fortaleza: INOVAGRI, 2017, v. 1, p. 21-108.

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