Segmento em franca expansão em todo o mundo, a aquicultura passa a ser uma das linhas de atuação da Embrapa Cerrados. Desde o início deste ano, a Unidade tem interagido com potenciais parceiros para discutir possíveis ações de pesquisa e desenvolvimento e de transferência de tecnologia sobre o tema na região do Bioma Cerrado. É o que mostrou o pesquisador Luiz Eduardo Lima, recém-transferido para o centro de pesquisa após 10 anos de atuação na Embrapa Pesca e Aquicultura (TO), em palestra apresentada no dia 24 de fevereiro. Além de pesquisadores e analistas do centro, estiveram presentes representantes da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), da Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural do Distrito Federal (Seagri-DF), da Emater-DF, do Senar-DF, da Federação da Agricultura e Pecuária do DF (FAPE-DF), da Emater Goiás, da Universidade de Brasília (UnB) e da Secretaria Municipal de Agricultura de Formosa (GO). A aquicultura é a ciência que estuda a produção racional de organismos aquáticos como peixes, moluscos, crustáceos, anfíbios, répteis, algas e plantas aquáticas para consumo humano. “Há uma grande demanda da sociedade e do setor produtivo aqui no DF para que a Embrapa Cerrados também trabalhe na aquicultura, somando-se às instituições que estão aqui e sendo mais um player nessa área, que tem uma geração de renda muito alta e uma capacidade ímpar de integrar diversos sistemas de produção”, disse o chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Unidade, Eduardo Alano. Panorama mundial De acordo com a última estatística da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a produção mundial de pescados, que engloba a aquicultura e a pesca, foi de 185 milhões de toneladas em 2022, com valor agregado de US$ 452 bilhões. “A cadeia de pescados é a que tem o maior volume entre as cadeias de produção de proteína animal, e é a mais consumida no mundo”, comentou Luiz Eduardo Lima, acrescentando que a evolução da cadeia está relacionada à demanda crescente por pescados. Entre 1961 e 2022, o consumo de pescados tem crescido em média 3% ao ano. “Isso é superior ao crescimento médio de todas as proteínas terrestres combinadas (2,7% ao ano) no mesmo período”, apontou. O ano de 2002 também marca a primeira vez em que a produção da aquicultura superou a da pesca, estagnada por problemas na exploração dos recursos pesqueiros. O consumo mundial de pescados é de cerca de 20,6 kg/habitante/ano, e tem sido observada a substituição de produtos da pesca por produtos da aquicultura. “É uma oportunidade interessante, pois são produtos que têm rastreabilidade e índices ambientais muito positivos em comparação à pesca”, comentou Lima. A produção mundial da aquicultura em 2022, ainda de acordo com a FAO, foi de cerca de 130 milhões de toneladas, o correspondente a US$ 312,8 bilhões. Entre 2000 e 2022, a produção aumentou 204,3%, média de 5,2% ao ano. A China é o maior produtor aquícola, com 53 milhões de toneladas, enquanto o Brasil ocupa a 13ª colocação, com 738 mil toneladas produzidas em 2022. Segundo Lima, as principais razões para o crescimento da atividade aquícola estão relacionadas aos benefícios do consumo de pescados, que contêm proteína de alta digestibilidade e são ricos em minerais, vitaminas e gorduras poli-insaturadas como ômega-3, além de baixos níveis de colesterol e gorduras saturadas. Ele explicou que o fato de os organismos aquáticos viverem na água permite menor gasto energético com flutuação e locomoção, e que além de não regularem a temperatura corporal, excretam nitrogênio de forma mais simples que os organismos terrestres. Esses fatores garantem conversões alimentares mais eficientes – enquanto alguns peixes e camarões necessitam consumir menos de 2 kg de alimento para produzirem 1 kg de carne, bovinos necessitam de 3,5 a 9 kg, por exemplo. O sistema de produção aquícola também tem números atrativos, como a baixa pegada de carbono, o menor uso da terra e os elevados rendimento de carcaça e taxa de retenção proteica. Aquicultura nacional e regional Ainda pouco relevante no cenário mundial, a aquicultura brasileira tem grande potencial de expansão, segundo o pesquisador. A atividade tem crescido significativamente nos últimos anos. Entre 2000 e 2022, a produção passou de 172 mil toneladas para 738 mil toneladas. O IBGE estimou em R$ 10,2 bilhões o valor da produção nacional para 2023, cifra 16,6% superior à do ano anterior. O carro-chefe da aquicultura nacional é a piscicultura de água doce, com produção de 655 mil toneladas (R$ 6,7 bilhões) em 2023, 5,8% superior à do ano anterior. A tilápia é o peixe mais criado no País (67,5% do total), e a produção cresceu 7,6% em relação a 2022. O Brasil já é o quarto maior produtor mundial da espécie. Na produção de animais marinhos, o destaque é a criação de camarões em viveiros (carcinicultura), com produção de 127,5 mil toneladas (R$ 2,6 bilhões) e crescimento de 13% em relação a 2022. Os principais estados produtores são Paraná, São Paulo e Rondônia. Entre os estados onde a Embrapa Cerrados atua, Minas Gerais, quarto maior produtor nacional (61,6 mil toneladas em 2023), se destaca na produção de tilápias (58,2 mil toneladas). O município de Morada Nova de Minas, situado às margens da Represa de Três Marias, é o maior produtor de pescados do Brasil, responsável por 3,1% da produção nacional. O estado de Goiás é o 11º produtor nacional (29,8 mil toneladas em 2023), sendo Niquelândia o principal município produtor. Já o DF é apenas o 24º maior produtor (2 mil toneladas em 2023). De acordo com levantamento da Emater-DF, o perfil dos piscicultores locais (cerca de 800) é de pequenos produtores em sua maioria, além de haver alguns estabelecimentos de pesque-pague e empresas de médio e grande porte, ocupando uma área de cerca de 80 ha. “Mas quando se fala em potencial, o DF tem uma característica muito interessante: ele é o terceiro maior consumidor de pescados (cerca de 14 kg/hab/ano) do Brasil, um pouco atrás do Amazonas e do Pará. É um consumo superior à média de 9 kg/hab/ano do País e acima do preconizado pela Organização Mundial de Saúde, de 12 kg/hab/ano. Porém, ainda está abaixo da média mundial, 20,5 kg/hab/ano”, comentou o pesquisador. Apenas 14% das 50 mil toneladas de pescados consumidas no DF em 2023 foram produzidos internamente, enquanto a maior parte (86%) veio de estados como São Paulo, Goiás, Minas Gerais e Paraná. Possibilidades de atuação no DF Para desenvolver o potencial de crescimento da aquicultura no Distrito Federal, Lima elencou possíveis estratégias de atuação da Embrapa Cerrados para discussão com as demais entidades. “Apesar dos problemas de licenciamento, tarifários e de crédito que o setor produtivo enfrenta, podemos fazer alguns inputs de inovação tecnológica que possibilitem a adoção de tecnologias pelos produtores para aumentar a produção não só no DF, mas também em Goiás e outros estados”, afirmou. Ele apontou a aproximação de instituições que já atuam com a aquicultura na região, como a Emater-DF, a Seagri-DF, a UnB, o Senar e o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), para o desenvolvimento de ações em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) em parceria. Segundo o pesquisador, essas ações podem ser operacionalizadas com a participação da Unidade em programas e outras iniciativas em andamento, como o Alevinar & ProAqua+, da Seagri-DF; a participação em câmaras (como a Câmara Setorial das Cadeias Produtivas da Aquicultura da Seagri-DF) e outros fóruns técnicos para captação das demandas de PD&I do setor produtivo e das instituições; o envolvimento em ações de transferência de tecnologia, como dias de campo e eventos; e o desenvolvimento de projetos de PD&I em conjunto para atendimento a demandas das instituições, como a criação de peixes em barragens para irrigação (Emater-DF) e o levantamento de indicadores econômicos da tilápia no DF (UnB). Apesar de a Embrapa Cerrados não contar com instalações para pesquisas em aquicultura, Lima lembrou que infraestruturas existentes podem ser usadas e otimizadas, como as da Emater-DF (Unidade Didática e as Unidades de Referência Tecnológica em Tanques de Ferrocimento, Produção Intensiva, Criação Bifásica de Tilápias e Boas Práticas na Piscicultura), da Seagri-DF (Granja Modelo Ipê), além da possibilidade de realização de pesquisas nas próprias áreas de produtores rurais. Outras possibilidades de atuação A atuação no estado de Goiás, em parceria com o Instituto Federal Goiano, a Universidade Federal de Goiás, a Universidade Federal de Jataí e a Emater Goiás, entre outras instituições, é também uma das possibilidades de atuação. O pesquisador vislumbrou como oportunidade a Usina Hidrelétrica (UHE) Serra da Mesa, em Niquelândia, o maior reservatório de água do Brasil (54,4 bilhões m3). De acordo com o MPA, a UHE tem 227 cessões de uso e capacidade de produção de 21 mil toneladas de pescado – atualmente, são produzidas pouco mais de 4,2 mil toneladas. Atuar em Minas Gerais é outra possibilidade, e a Universidade Federal de Minas Gerais, a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) e a Codevasf são apontadas como potenciais parceiros. Embora haja tantas possibilidades, Lima pretende dar foco e iniciar com poucos projetos, focando em áreas prioritárias do setor e atuando sempre em parceria com as instituições e os produtores de cada localidade. Avaliação de coprodutos e aproveitamento de efluentes na fertirrigação Lima trouxe exemplos de trabalhos realizados durante a passagem pela Embrapa Pesca e Aquicultura. Entre eles, avaliação de coprodutos da agricultura e da pecuária como potenciais matérias-primas e aditivos para a alimentação de organismos aquáticos, como o uso de folhas e os pecíolos de mandioca na ração para tambaqui na piscicultura amazônica. O pesquisador estudou, em parceria com a Embrapa Acre (AC), a Embrapa Cerrados e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), a digestibilidade e a determinação dos níveis de inclusão que não prejudiquem o desempenho zootécnico do tambaqui. Outro exemplo apresentado é o da avaliação de coprodutos da aquicultura que podem ser fornecidos à agricultura, como o uso de subprodutos da indústria de macroalgas como bioestimulantes e biofertilizantes para algumas culturas agrícolas. Lima mostrou que os efluentes da piscicultura, ricos em nitrogênio e fósforo, podem ser usados na fertirrigação. “O peixe só consegue aproveitar em torno de 30% do nitrogênio e do fósforo incluídos na ração. Os outros 70% são despejados no corpo hídrico, sendo que a maior parcela está na parte solúvel. Então, é possível fazer uma integração com as culturas agrícolas, tanto na escala de pequeno produtor, utilizando tecnologias como o Sisteminha, assim como outras adequadas para escalas maiores”, explicou, acrescentando a possibilidade de uso dos efluentes em sistemas de aquaponia na agricultura familiar e periurbana. Ele também citou a criação de peixes em barragens e canais de irrigação e o uso dos efluentes na fertirrigação, o que pode reduzir a demanda por fertilizantes nas culturas agrícolas. Em parceria com a Codevasf, a Embrapa construiu, em Palmas, um sistema de tanques suspensos de geomembrana capazes de destinar efluentes para a fertirrigação de dois hectares. Também estão sendo testados sistemas de irrigação por aspersão convencional e por gotejamento, além de diferentes rotações de culturas agrícolas e pastagens. A ideia é gerar indicadores para determinar a quantidade de nutrientes como o nitrogênio e fósforo produzidos por um sistema de criação de peixes, além de analisar quanto é absorvido pelas plantas e dimensionar quanto de fertilizantes pode ser economizado nas diferentes culturas. Instituições mostram otimismo e apontam demandas Os representantes das instituições que participaram do debate após a apresentação manifestaram disposição para colaborar em iniciativas conjuntas. Coordenador do Programa de Aquicultura da Emater-DF, Adalmyr Borges disse que a expectativa do órgão com a chegada do pesquisador à Embrapa Cerrados é positiva. “A Emater-DF e a Embrapa têm uma ligação muito forte aqui em Brasília. Faltava ampliar essa relação para a área de aquicultura. Estamos muito satisfeitos com a vinda do Luiz”, afirmou. Ele destacou duas demandas observadas pelo órgão de extensão rural do Distrito Federal. A primeira é o aproveitamento, mediante adequação da outorga, dos reservatórios de geomembrana utilizados para irrigação. “Apenas com os 247 pequenos reservatórios implantados na região da bacia do Rio Preto, podemos dobrar a produção de pescado aqui. São pequenas ações que podem ter um grande impacto”, disse, acrescentando a necessidade de definição de um modelo de viabilidade econômica e ambiental para a atividade. A outra demanda se refere à adequação dos custos de produção, uma vez que, segundo o extensionista, as margens de lucro da aquicultura vêm diminuindo nos últimos anos. “Sabemos que o principal custo na produção de peixes é a alimentação, que é a especialidade do pesquisador”, apontou. “Precisávamos de alguém para ‘chacoalhar’ o setor. Sabemos da demanda no DF e a potencialidade. Temos que trabalhar juntos e voltar a pensar em infraestruturas difusoras de tecnologias como a Granja do Ipê (da Seagri-DF) e ter um projeto estruturado”, declarou Hermano dos Santos, chefe da Unidade de Recursos Pesqueiros e Aquicultura da Codevasf, acrescentando que o órgão tem recebido muitas demandas de alevinos, inclusive de associações do DF. Adson Rodrigues, coordenador da Regional Planalto da Emater Goiás, que abrange 19 municípios do Entorno do DF, afirmou que o órgão vê uma grande oportunidade para a pesquisa. “Nos 19 municípios, há piscicultura e demanda por resultados oficiais de pesquisa. Nós extensionistas dependemos desses resultados para nos estruturarmos e fazermos que os produtores tenham confiança em aplicar os seus recursos”, afirmou, acrescentando que a região conta com produtores de alevinos e grandes piscicultores. O extensionista citou o Projeto Fruticultura Irrigada no Vão do Paranã, liderado pela Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Goiás e que tem a participação da Embrapa Cerrados. Ele explicou que 150 famílias de assentados de reforma agrária de Flores de Goiás, Formosa e São João d’Aliança estão financiando e recebendo da Codevasf equipamentos para a irrigação de 2 ha de manga e maracujá. Também está sendo financiado um tanque de geomembrana de 400 m3. “O pequeno agricultor tem que aproveitar essa estrutura com água e diversificar (a produção). Estamos no berço das águas (do Brasil) e existe o potencial. Mesmo não havendo uma pesquisa oficial, os produtores estão conseguindo produzir. Podemos fazer o elo com esses produtores e desenvolver o trabalho”, afirmou, ressaltando que a integração da aquicultura às demais atividades agropecuárias realizadas no Entorno do DF será oportuna para os produtores. Também presente à palestra, Carlos Magno da Rocha, ex-presidente da Embrapa e ex-chefe-geral da Embrapa Cerrados e da Embrapa Pesca e Aquicultura, relembrou o início das pesquisas da Empresa com aquicultura e destacou a importância do segmento no mundo. Para ele, iniciar trabalhos com aquicultura na Embrapa Cerrados é um marco, e a atividade deve ser vista como estratégica para o Brasil. “Não tenho dúvida de que esse setor da economia vai crescer, e muito, principalmente no país que é líder na produção de grãos. Não temos problema para produzir ração. Na região geoeconômica de Brasília, muita gente já está trabalhando com isso, mas com muita dificuldade, porque o conhecimento ainda não está chegando. Vejo como uma oportunidade ímpar de (a Unidade) se agregar. A vinda do Luiz é um passo, uma semente que vai germinar”, comentou Rocha. Após o debate, a chefia da Embrapa Cerrados realizou uma reunião com Lima e os representantes das demais instituições para discutir possibilidades de parcerias para atuação, definir as prioridades de curto, médio e longo prazo, além de estabelecer a estratégia de ação.
Segmento em franca expansão em todo o mundo, a aquicultura passa a ser uma das linhas de atuação da Embrapa Cerrados. Desde o início deste ano, a Unidade tem interagido com potenciais parceiros para discutir possíveis ações de pesquisa e desenvolvimento e de transferência de tecnologia sobre o tema na região do Bioma Cerrado. É o que mostrou o pesquisador Luiz Eduardo Lima, recém-transferido para o centro de pesquisa após 10 anos de atuação na Embrapa Pesca e Aquicultura (TO), em palestra apresentada no dia 24 de fevereiro.
Além de pesquisadores e analistas do centro, estiveram presentes representantes da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), da Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural do Distrito Federal (Seagri-DF), da Emater-DF, do Senar-DF, da Federação da Agricultura e Pecuária do DF (FAPE-DF), da Emater Goiás, da Universidade de Brasília (UnB) e da Secretaria Municipal de Agricultura de Formosa (GO).
A aquicultura é a ciência que estuda a produção racional de organismos aquáticos como peixes, moluscos, crustáceos, anfíbios, répteis, algas e plantas aquáticas para consumo humano. “Há uma grande demanda da sociedade e do setor produtivo aqui no DF para que a Embrapa Cerrados também trabalhe na aquicultura, somando-se às instituições que estão aqui e sendo mais um player nessa área, que tem uma geração de renda muito alta e uma capacidade ímpar de integrar diversos sistemas de produção”, disse o chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Unidade, Eduardo Alano.
Panorama mundial
De acordo com a última estatística da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a produção mundial de pescados, que engloba a aquicultura e a pesca, foi de 185 milhões de toneladas em 2022, com valor agregado de US$ 452 bilhões. “A cadeia de pescados é a que tem o maior volume entre as cadeias de produção de proteína animal, e é a mais consumida no mundo”, comentou Luiz Eduardo Lima, acrescentando que a evolução da cadeia está relacionada à demanda crescente por pescados. Entre 1961 e 2022, o consumo de pescados tem crescido em média 3% ao ano. “Isso é superior ao crescimento médio de todas as proteínas terrestres combinadas (2,7% ao ano) no mesmo período”, apontou.
O ano de 2002 também marca a primeira vez em que a produção da aquicultura superou a da pesca, estagnada por problemas na exploração dos recursos pesqueiros. O consumo mundial de pescados é de cerca de 20,6 kg/habitante/ano, e tem sido observada a substituição de produtos da pesca por produtos da aquicultura. “É uma oportunidade interessante, pois são produtos que têm rastreabilidade e índices ambientais muito positivos em comparação à pesca”, comentou Lima.
A produção mundial da aquicultura em 2022, ainda de acordo com a FAO, foi de cerca de 130 milhões de toneladas, o correspondente a US$ 312,8 bilhões. Entre 2000 e 2022, a produção aumentou 204,3%, média de 5,2% ao ano. A China é o maior produtor aquícola, com 53 milhões de toneladas, enquanto o Brasil ocupa a 13ª colocação, com 738 mil toneladas produzidas em 2022.
Segundo Lima, as principais razões para o crescimento da atividade aquícola estão relacionadas aos benefícios do consumo de pescados, que contêm proteína de alta digestibilidade e são ricos em minerais, vitaminas e gorduras poli-insaturadas como ômega-3, além de baixos níveis de colesterol e gorduras saturadas.
Ele explicou que o fato de os organismos aquáticos viverem na água permite menor gasto energético com flutuação e locomoção, e que além de não regularem a temperatura corporal, excretam nitrogênio de forma mais simples que os organismos terrestres. Esses fatores garantem conversões alimentares mais eficientes – enquanto alguns peixes e camarões necessitam consumir menos de 2 kg de alimento para produzirem 1 kg de carne, bovinos necessitam de 3,5 a 9 kg, por exemplo.
O sistema de produção aquícola também tem números atrativos, como a baixa pegada de carbono, o menor uso da terra e os elevados rendimento de carcaça e taxa de retenção proteica.
Aquicultura nacional e regional
Ainda pouco relevante no cenário mundial, a aquicultura brasileira tem grande potencial de expansão, segundo o pesquisador. A atividade tem crescido significativamente nos últimos anos. Entre 2000 e 2022, a produção passou de 172 mil toneladas para 738 mil toneladas. O IBGE estimou em R$ 10,2 bilhões o valor da produção nacional para 2023, cifra 16,6% superior à do ano anterior.
O carro-chefe da aquicultura nacional é a piscicultura de água doce, com produção de 655 mil toneladas (R$ 6,7 bilhões) em 2023, 5,8% superior à do ano anterior. A tilápia é o peixe mais criado no País (67,5% do total), e a produção cresceu 7,6% em relação a 2022. O Brasil já é o quarto maior produtor mundial da espécie. Na produção de animais marinhos, o destaque é a criação de camarões em viveiros (carcinicultura), com produção de 127,5 mil toneladas (R$ 2,6 bilhões) e crescimento de 13% em relação a 2022.
Os principais estados produtores são Paraná, São Paulo e Rondônia. Entre os estados onde a Embrapa Cerrados atua, Minas Gerais, quarto maior produtor nacional (61,6 mil toneladas em 2023), se destaca na produção de tilápias (58,2 mil toneladas). O município de Morada Nova de Minas, situado às margens da Represa de Três Marias, é o maior produtor de pescados do Brasil, responsável por 3,1% da produção nacional. O estado de Goiás é o 11º produtor nacional (29,8 mil toneladas em 2023), sendo Niquelândia o principal município produtor.
Já o DF é apenas o 24º maior produtor (2 mil toneladas em 2023). De acordo com levantamento da Emater-DF, o perfil dos piscicultores locais (cerca de 800) é de pequenos produtores em sua maioria, além de haver alguns estabelecimentos de pesque-pague e empresas de médio e grande porte, ocupando uma área de cerca de 80 ha.
“Mas quando se fala em potencial, o DF tem uma característica muito interessante: ele é o terceiro maior consumidor de pescados (cerca de 14 kg/hab/ano) do Brasil, um pouco atrás do Amazonas e do Pará. É um consumo superior à média de 9 kg/hab/ano do País e acima do preconizado pela Organização Mundial de Saúde, de 12 kg/hab/ano. Porém, ainda está abaixo da média mundial, 20,5 kg/hab/ano”, comentou o pesquisador.
Apenas 14% das 50 mil toneladas de pescados consumidas no DF em 2023 foram produzidos internamente, enquanto a maior parte (86%) veio de estados como São Paulo, Goiás, Minas Gerais e Paraná.
Possibilidades de atuação no DF
Para desenvolver o potencial de crescimento da aquicultura no Distrito Federal, Lima elencou possíveis estratégias de atuação da Embrapa Cerrados para discussão com as demais entidades. “Apesar dos problemas de licenciamento, tarifários e de crédito que o setor produtivo enfrenta, podemos fazer alguns inputs de inovação tecnológica que possibilitem a adoção de tecnologias pelos produtores para aumentar a produção não só no DF, mas também em Goiás e outros estados”, afirmou.
Ele apontou a aproximação de instituições que já atuam com a aquicultura na região, como a Emater-DF, a Seagri-DF, a UnB, o Senar e o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), para o desenvolvimento de ações em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) em parceria.
Segundo o pesquisador, essas ações podem ser operacionalizadas com a participação da Unidade em programas e outras iniciativas em andamento, como o Alevinar & ProAqua+, da Seagri-DF; a participação em câmaras (como a Câmara Setorial das Cadeias Produtivas da Aquicultura da Seagri-DF) e outros fóruns técnicos para captação das demandas de PD&I do setor produtivo e das instituições; o envolvimento em ações de transferência de tecnologia, como dias de campo e eventos; e o desenvolvimento de projetos de PD&I em conjunto para atendimento a demandas das instituições, como a criação de peixes em barragens para irrigação (Emater-DF) e o levantamento de indicadores econômicos da tilápia no DF (UnB).
Apesar de a Embrapa Cerrados não contar com instalações para pesquisas em aquicultura, Lima lembrou que infraestruturas existentes podem ser usadas e otimizadas, como as da Emater-DF (Unidade Didática e as Unidades de Referência Tecnológica em Tanques de Ferrocimento, Produção Intensiva, Criação Bifásica de Tilápias e Boas Práticas na Piscicultura), da Seagri-DF (Granja Modelo Ipê), além da possibilidade de realização de pesquisas nas próprias áreas de produtores rurais.
Outras possibilidades de atuação
A atuação no estado de Goiás, em parceria com o Instituto Federal Goiano, a Universidade Federal de Goiás, a Universidade Federal de Jataí e a Emater Goiás, entre outras instituições, é também uma das possibilidades de atuação.
O pesquisador vislumbrou como oportunidade a Usina Hidrelétrica (UHE) Serra da Mesa, em Niquelândia, o maior reservatório de água do Brasil (54,4 bilhões m3). De acordo com o MPA, a UHE tem 227 cessões de uso e capacidade de produção de 21 mil toneladas de pescado – atualmente, são produzidas pouco mais de 4,2 mil toneladas.
Atuar em Minas Gerais é outra possibilidade, e a Universidade Federal de Minas Gerais, a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) e a Codevasf são apontadas como potenciais parceiros.
Embora haja tantas possibilidades, Lima pretende dar foco e iniciar com poucos projetos, focando em áreas prioritárias do setor e atuando sempre em parceria com as instituições e os produtores de cada localidade.
Avaliação de coprodutos e aproveitamento de efluentes na fertirrigação
Lima trouxe exemplos de trabalhos realizados durante a passagem pela Embrapa Pesca e Aquicultura. Entre eles, avaliação de coprodutos da agricultura e da pecuária como potenciais matérias-primas e aditivos para a alimentação de organismos aquáticos, como o uso de folhas e os pecíolos de mandioca na ração para tambaqui na piscicultura amazônica. O pesquisador estudou, em parceria com a Embrapa Acre (AC), a Embrapa Cerrados e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), a digestibilidade e a determinação dos níveis de inclusão que não prejudiquem o desempenho zootécnico do tambaqui.
Outro exemplo apresentado é o da avaliação de coprodutos da aquicultura que podem ser fornecidos à agricultura, como o uso de subprodutos da indústria de macroalgas como bioestimulantes e biofertilizantes para algumas culturas agrícolas.
Lima mostrou que os efluentes da piscicultura, ricos em nitrogênio e fósforo, podem ser usados na fertirrigação. “O peixe só consegue aproveitar em torno de 30% do nitrogênio e do fósforo incluídos na ração. Os outros 70% são despejados no corpo hídrico, sendo que a maior parcela está na parte solúvel. Então, é possível fazer uma integração com as culturas agrícolas, tanto na escala de pequeno produtor, utilizando tecnologias como o Sisteminha, assim como outras adequadas para escalas maiores”, explicou, acrescentando a possibilidade de uso dos efluentes em sistemas de aquaponia na agricultura familiar e periurbana.
Ele também citou a criação de peixes em barragens e canais de irrigação e o uso dos efluentes na fertirrigação, o que pode reduzir a demanda por fertilizantes nas culturas agrícolas. Em parceria com a Codevasf, a Embrapa construiu, em Palmas, um sistema de tanques suspensos de geomembrana capazes de destinar efluentes para a fertirrigação de dois hectares. Também estão sendo testados sistemas de irrigação por aspersão convencional e por gotejamento, além de diferentes rotações de culturas agrícolas e pastagens. A ideia é gerar indicadores para determinar a quantidade de nutrientes como o nitrogênio e fósforo produzidos por um sistema de criação de peixes, além de analisar quanto é absorvido pelas plantas e dimensionar quanto de fertilizantes pode ser economizado nas diferentes culturas.
Instituições mostram otimismo e apontam demandas
Os representantes das instituições que participaram do debate após a apresentação manifestaram disposição para colaborar em iniciativas conjuntas. Coordenador do Programa de Aquicultura da Emater-DF, Adalmyr Borges disse que a expectativa do órgão com a chegada do pesquisador à Embrapa Cerrados é positiva. “A Emater-DF e a Embrapa têm uma ligação muito forte aqui em Brasília. Faltava ampliar essa relação para a área de aquicultura. Estamos muito satisfeitos com a vinda do Luiz”, afirmou.
Ele destacou duas demandas observadas pelo órgão de extensão rural do Distrito Federal. A primeira é o aproveitamento, mediante adequação da outorga, dos reservatórios de geomembrana utilizados para irrigação. “Apenas com os 247 pequenos reservatórios implantados na região da bacia do Rio Preto, podemos dobrar a produção de pescado aqui. São pequenas ações que podem ter um grande impacto”, disse, acrescentando a necessidade de definição de um modelo de viabilidade econômica e ambiental para a atividade.
A outra demanda se refere à adequação dos custos de produção, uma vez que, segundo o extensionista, as margens de lucro da aquicultura vêm diminuindo nos últimos anos. “Sabemos que o principal custo na produção de peixes é a alimentação, que é a especialidade do pesquisador”, apontou.
“Precisávamos de alguém para ‘chacoalhar’ o setor. Sabemos da demanda no DF e a potencialidade. Temos que trabalhar juntos e voltar a pensar em infraestruturas difusoras de tecnologias como a Granja do Ipê (da Seagri-DF) e ter um projeto estruturado”, declarou Hermano dos Santos, chefe da Unidade de Recursos Pesqueiros e Aquicultura da Codevasf, acrescentando que o órgão tem recebido muitas demandas de alevinos, inclusive de associações do DF.
Adson Rodrigues, coordenador da Regional Planalto da Emater Goiás, que abrange 19 municípios do Entorno do DF, afirmou que o órgão vê uma grande oportunidade para a pesquisa. “Nos 19 municípios, há piscicultura e demanda por resultados oficiais de pesquisa. Nós extensionistas dependemos desses resultados para nos estruturarmos e fazermos que os produtores tenham confiança em aplicar os seus recursos”, afirmou, acrescentando que a região conta com produtores de alevinos e grandes piscicultores.
O extensionista citou o Projeto Fruticultura Irrigada no Vão do Paranã, liderado pela Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Goiás e que tem a participação da Embrapa Cerrados. Ele explicou que 150 famílias de assentados de reforma agrária de Flores de Goiás, Formosa e São João d’Aliança estão financiando e recebendo da Codevasf equipamentos para a irrigação de 2 ha de manga e maracujá. Também está sendo financiado um tanque de geomembrana de 400 m3.
“O pequeno agricultor tem que aproveitar essa estrutura com água e diversificar (a produção). Estamos no berço das águas (do Brasil) e existe o potencial. Mesmo não havendo uma pesquisa oficial, os produtores estão conseguindo produzir. Podemos fazer o elo com esses produtores e desenvolver o trabalho”, afirmou, ressaltando que a integração da aquicultura às demais atividades agropecuárias realizadas no Entorno do DF será oportuna para os produtores.
Também presente à palestra, Carlos Magno da Rocha, ex-presidente da Embrapa e ex-chefe-geral da Embrapa Cerrados e da Embrapa Pesca e Aquicultura, relembrou o início das pesquisas da Empresa com aquicultura e destacou a importância do segmento no mundo. Para ele, iniciar trabalhos com aquicultura na Embrapa Cerrados é um marco, e a atividade deve ser vista como estratégica para o Brasil.
“Não tenho dúvida de que esse setor da economia vai crescer, e muito, principalmente no país que é líder na produção de grãos. Não temos problema para produzir ração. Na região geoeconômica de Brasília, muita gente já está trabalhando com isso, mas com muita dificuldade, porque o conhecimento ainda não está chegando. Vejo como uma oportunidade ímpar de (a Unidade) se agregar. A vinda do Luiz é um passo, uma semente que vai germinar”, comentou Rocha.
Após o debate, a chefia da Embrapa Cerrados realizou uma reunião com Lima e os representantes das demais instituições para discutir possibilidades de parcerias para atuação, definir as prioridades de curto, médio e longo prazo, além de estabelecer a estratégia de ação.