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Comitê internacional do projeto Semear Digital visita Embrapa e instituições parceiras

Pesquisadores dos Estados Unidos e da Alemanha realizaram, no início de outubro, reuniões e visitas técnicas às instituições participantes e a locais de atuação do Centro de Ciência para o Desenvolvimento em Agricultura Digital (Semear Digital). O grupo compõe o Comitê Consultivo Internacional do projeto, que tem financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e é liderado pela Embrapa Agricultura Digital.

Lançada em 2023, a iniciativa tem como foco a inclusão de pequenos e médios produtores rurais no processo de transformação digital do campo. O objetivo é promover soluções de conectividade em áreas rurais e a inserção de tecnologias em processos de produção, envolvendo inteligência artificial e sensoriamento remoto, automação e agricultura de precisão, rastreabilidade e certificação. As ações do projeto são realizadas em dez Distritos Agrotecnológicos (DATs) selecionados nas cinco regiões do País, cobrindo praticamente todos os biomas brasileiros e com potencial de alcançar até 14 mil pequenas e médias propriedades rurais. As equipes já iniciaram os trabalhos nos DATs, com exceção do município de Breves, no Pará. A primeira visita vai acontecer no final deste mês, quando serão realizados encontros com produtores rurais locais, associações, empresas provedoras de internet, instituições de ensino e agroindústrias.

Comitê Consultivo é formado por cientistas reconhecidos internacionalmente em áreas que são foco do Centro: Douglas Morton, da Nasa; Ermias Kebreab, da Universidade da Califórnia; Fedro Zazueta Ranahan, da Universidade da Flórida; e Mihai Datcu, do Centro Aeroespacial da Alemanha. Além de promover o intercâmbio com instituições estrangeiras, o Comitê tem o papel de acompanhar as atividades da equipe e contribuir com sugestões em relação a oportunidades de pesquisas e ao direcionamento do projeto.

A visita ao Brasil, realizada de 30 de setembro a 4 de outubro, teve início na Embrapa Agricultura Digital, num encontro com a presença da presidente da Empresa, Silvia Massruhá, que também é a pesquisadora responsável pelo projeto, e do chefe-geral da Unidade, Stanley Oliveira. A equipe da Embrapa apresentou atividades realizadas nos DATs de Caconde (SP), Vacaria (RS) e Guia Lopes da Laguna (MS) com estudos sobre a aplicação de técnicas de inteligência artificial, visão computacional e certificação digital no desenvolvimento de soluções para operações no campo.

“Tivemos um primeiro ano de muita articulação e de definição dos novos DATs, cujas atividades estão tomando corpo agora. Com esta visita, os membros do comitê internacional trouxeram contribuições valiosas para o planejamento, a validação das tecnologias desenvolvidas e a gestão do conhecimento que está sendo gerado”, afirma Massruhá.

Ao avaliar, de maneira geral, a missão assumida pelo projeto, o professor Fedro Zazueta, um dos pioneiros na aplicação de tecnologias de informação e comunicação a problemas agrícolas, ressaltou o papel de democratização da tecnologia focada não somente no aumento de produtividade, mas também na melhoria da qualidade de vida dos agricultores. “O retorno econômico não é o único, mas é um dos aspectos importantes que refletem essa melhora. Isso mostra a necessidade de conectar esses agricultores não apenas à tecnologia, mas também a outros atores da cadeia produtiva e de suprimentos, inclusive para abertura de novos mercados para seus produtos”, completa.

Entre outras sugestões, Douglas Morton também abordou as interações focadas na juventude rural. “Sabemos que os jovens têm maior interesse em tecnologias, por isso é importante o projeto investir em estratégias para a conexão com este público. De maneira geral, o projeto está caminhando em uma direção impressionante e com grande potencial”.

Um dos coordenadores do Semear Digital, o pesquisador da Embrapa Jayme Barbedo explica que o projeto tem realizado estudos para identificar barreiras que os agricultores enfrentam para a adoção de tecnologias. “Os resultados vão trazer informações que podem ajudar nestas estratégias de interação com os produtores rurais”. Para ele, a visita do Comitê trouxe elementos importantes para a evolução do projeto. Outro ponto importante mencionado pelos membros do Comitê, segundo a pesquisadora Luciana Romani, que também compõe a coordenação do projeto, refere-se às mudanças climáticas. “Eles apontaram que o Semear Digital deve buscar formas de apoiar os agricultores por meio de capacitação e indicar alternativas de adaptação a curto e médio prazo”.

Visitas a instituições de pesquisa

A programação do Comitê Internacional no Brasil também contemplou a visita ao Instituto Agronômico (IAC), em Campinas (SP), e à Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), em Piracicaba (SP), duas das instituições que fazem parte do Semear Digital ao lado do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD), Instituto de Economia Agrícola (IEA), Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel) e Universidade Federal de Lavras (UFLA).

No IAC, em conferência com outros pesquisadores, o professor emérito da Universidade da Flórida Fedro Zazueta falou sobre a agricultura no contexto da quarta revolução industrial e o papel de tecnologias como internet das coisas (IoT), inteligência artificial e big data em reduzir incertezas e apoiar a tomada de decisões. Ele destacou que, neste processo, a infraestrutura sozinha não é suficiente, e que é necessária uma força de trabalho capacitada, além da criação de um ecossistema e uma cultura que estimule a inovação.

Já o cientista da Nasa Douglas Morton, especialista em sensoriamento remoto ambiental e agrícola, abordou a integração de dados diversos para melhorar o monitoramento das propriedades rurais e as tecnologias focadas no usuário. Ele citou o projeto HLS, uma iniciativa que combina dados dos satélites Landsat e Sentinel e gera séries temporais a cada dois ou três dias com alto potencial para monitorar o manejo e as condições das culturas agrícolas. Essas imagens têm sido utilizadas pelos pesquisadores do Semear Digital, em destaque para o mapeamento de sistemas de manejo em café em Caconde (SP) e de pastagens em Guia Lopes da Laguna (MS), sob a coordenação do pesquisador Édson Bolfe. Esta integração de dados, segundo Morton, pode melhorar inclusive as projeções do impacto das mudanças climáticas sobre a produção.

Na Esalq/USP, o Comitê foi recepcionado pela diretora da instituição, Thais Vieira, e pelo coordenador do Centro de Agricultura Tropical Sustentável, Durval Dourado Neto, que também é cientista-chefe do Centro Semear Digital. Durante a visita, o coordenador do Laboratório de Agricultura de Precisão da universidade, José Paulo Molin, falou sobre o uso da agricultura de precisão em pequenas propriedades agrícolas e os desafios para a coleta automática de dados. Ele colabora nas atividades realizadas no DAT de Jacupiranga (SP), onde o foco dos trabalhos está nos cultivos de banana e pupunha.

O bolsista de pós-doutorado vinculado ao Centro Antônio José Homsi Goulart também apresentou iniciativas de pesquisa voltadas para uso de técnicas de aprendizado profundo no mapeamento dos sistemas de integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF), atividade desenvolvida no DAT de Guia Lopes da Laguna (MS).

A visita a laboratórios e centros avançados de pesquisa da Esalq foi seguida de uma nova conferência com os cientistas do Comitê Internacional. Ermias Kebreab, referência mundial na área de Ciências Veterinárias, apresentou um panorama de estratégias inovadoras e multifacetadas para mitigação das emissões de metano na pecuária, como por exemplo o emprego de aditivos alimentares e a engenharia microbiana. Especialista na área de ciência de dados, Mihai Datcu, do Centro Aeroespacial da Alemanha, falou sobre o uso de inteligência artificial para observação da terra e os desafios para novos modelos e escalas de monitoramento remoto dos impactos das atividades humanas.

DAT Caconde

Um dos primeiros pilotos de Distrito Agrotecnológico (DAT), Caconde (SP) também recebeu a visita do Comitê Internacional do Semear Digital. O projeto vem desenvolvendo atividades como o mapeamento dos sistemas de produção de café no município a partir de dados de satélite, treinamentos em tecnologias digitais, que incluem também a atividade de piscicultura, e pesquisas em agricultura de precisão.

Caracterizado pela presença de pequenos e médios cafeicultores, o município viu a realidade se transformar a partir de 2019 com a ampliação da conectividade na área rural, onde residem a maioria dos seus 2 mil produtores rurais. De acordo com Ademar Pereira, presidente da Cooperativa Agropecuária de Caconde e Região (Coopac), hoje há mais de 70 antenas instaladas e cerca de 1.350 assinaturas de internet. A conectividade teve reflexo no dia a dia da comunidade e, segundo ele, a presença do projeto Semear Digital também vem atraindo outras iniciativas públicas e privadas.

Neste ano, o sindicato rural local, ao lado da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) e do Sebrae-SP, inaugurou o Centro de Educação Ambiental (Ceac), onde o projeto irá atuar por meio de capacitações e oficinas para transferência de tecnologias. O Comitê Internacional conheceu a sede do Ceac, que possui espaço para hidroponia, viveiro de mudas de árvores nativas e uma cafeteria-escola, com torrador coletivo e sala de prova de café.

O grupo também visitou propriedades que fazem parte do Semear Digital e viu a utilização de serviços hoje disponíveis na região, como da empresa local que atua na aplicação de insumos biológicos via drone.

Em campo, em um dia com temperaturas elevadas, eles também testemunharam uma das principais preocupações dos agricultores: os efeitos de extremos climáticos, como a seca, sobre a produção de café. Para o professor Zazueta, o desenvolvimento de tecnologias digitais para pequenos e médios também deverá considerar soluções para enfrentar estes impactos da mudança climática, no longo prazo.

Para Douglas Morton, Caconde é um exemplo do potencial da comunidade local quando combinada com tecnologia. Ele avalia que a chegada de internet permitiu um grande avanço, acelerando as conexões entre as propriedades, ponto importante na troca de informações e geração de novas ideias, resultando em atuação mais robusta. “O que vimos foi super impressionante porque os resultados do projeto estão visíveis”, disse.

Líder mundial em pesquisas sobre metano vê potencial de atuação conjunta

“É incrível! Poucos lugares ao redor do mundo têm um experimento de longa duração como este. Enxergo vários pontos de conexão que nos capacita ao trabalho conjunto”. O depoimento do professor Ermias Kebreab, da Universidade da Califórnia, foi feito após visita a experimentos de ILPF e pecuária de precisão na Fazenda Canchim, da Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SP).

O renomado acadêmico tem experiência em agricultura sustentável e ciência animal, tendo conduzido pesquisas para o desenvolvimento de estratégias para o uso de aditivos alimentares – como algas e tanino presente em uvas – para reduzir as emissões de metano do gado. Kebreab integrou o Comitê Consultivo Internacional que foi recebido, no dia 3, pelo chefe-geral do centro de pesquisa, Alexandre Berndt, ao lado dos pesquisadores Alberto Bernardi e Patrícia Menezes Santos – que é ponto focal do DAT Lagoinha (SP), cujo foco é a pecuária leiteira.

Mais de 1.400 hectares da Fazenda são ocupados com pastagens cultivadas e com rebanho experimental composto por cerca de 1,4 mil animais destinados a pesquisas de melhoramento, nutrição, sanidade, reprodução, e pecuária de precisão, que visam à eficiência no manejo dos animais com uso racional de insumos e redução das emissões de gases do efeito estufa.

Experimentos – Os sistemas ILPF visitados vêm sendo realizados há duas décadas e, há quatro anos, receberam a instalação de equipamentos como a ordenha automática feita por robô e pesagem automática de animais a campo, bem como bebedouros e cochos eletrônicos para controle individual de consumo de água e de alimentos. A comitiva internacional também obteve informações sobre como é feita a medição automática da emissão de metano.

“É exatamente o que se precisa quando se fala em (medição de) carbono em longa duração. Só assim a gente vai poder aprender quanto de carbono é estocado no solo, nas árvores, neutralidade em carbono ou mesmo carbono negativo em diferentes sistemas de produção”, observou  Kebreab, ansioso pelos resultados do experimento brasileiro.

O especialista destacou a importância da informação sobre os diferentes aspectos que envolvem a atividade rural para nortear as decisões. “Se você não tem informação não pode de fato melhorar suas práticas”, argumenta ao ressaltar a importância do Semear Digital – em que “o acesso à informação vai ser a principal vantagem para pequenos e médios agricultores”, avaliou.

Robô – Um ordenhador trabalha de domingo a domingo num sistema produtivo que exige, no mínimo, duas ordenhas diárias, atividade que vai das 5h às 20h. Situação exaustiva e custosa que justifica a escassez de mão de obra no mercado e o fato de estabelecimentos dedicados à pecuária leiteira e sem acesso a soluções alternativas lançarem mão do arrendamento de terras para produção de grãos, como observado no DAT Ingaí, município localizado em Minas Gerais.

A introdução da ordenha automática, por meio de robôs, utilizada na fazenda experimental da Embrapa surge nesse contexto, embora como alternativa ainda distante de pequenos empreendimentos, mas viável no longo prazo, com o possível barateamento do equipamento, indica o pesquisador Alberto Bernardi. Segundo ele, o robô utilizado em cerca de 400 propriedades particulares no Brasil foi desenhado para clima temperado e tem custo estimado em 150 mil dólares, sendo similar ao disponível nos Estados Unidos e Europa, em que o gado é confinado.

A Embrapa adaptou o robô, com vantagens, às condições locais de gado em pasto. O diferencial do sistema em experimento é o fato de o gado produzir em condição mais natural e com menos estresse, disse Bernardi. “Vacas estabuladas têm produtividade elevadíssima, mas estamos muito à frente em termos de bem-estar animal, associado a um sistema arborizado, já pensado para fazer um balanço positivo de carbono”, indicou o especialista.

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