A Embrapa fez parte, na última semana, de 18 a 20 de fevereiro, da missão técnica liderada pelo Ministério da Saúde (MS) ao Espírito Santo para avaliar a situação da febre do Oropouche (FO), enfermidade transmitida por insetos do gênero Culicoides sp., popularmente conhecido como maruim, que acomete seres humanos e animais. Recentemente o Brasil tem enfrentado surtos significativos da doença, sendo o Espírito Santo o estado com o maior número de casos. Em 2025, da semana epidemiológica 1 até a 6, o estado registrou 4.317 casos (dados do MS). A demanda apresentada pelo Ministério à Embrapa, por meio da Coordenação de Arboviroses, consiste na elaboração de um projeto de pesquisa e inovação para o controle da doença. Visando qualificar a demanda, foram convidados chefes de P&D e pesquisadores de diferentes Unidades, que poderiam contribuir para a construção de uma proposta que atenda às necessidades do MS, alinhada à temática da Saúde Única, internalizada recentemente na Embrapa e com um programa de pesquisa em fase de elaboração.
Os pesquisadores Fabiana Rezende e Dimmy Barbosa (Embrapa Mandioca e Fruticultura, BA) e Jeanne Prado (Embrapa Meio Ambiente, SP) integraram a equipe técnica, que contou também com profissionais da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e agentes de Saúde da região (secretarias estadual e municipais). A missão se concentrou em dois municípios: Alfredo Chaves, que tem em torno de 14 mil habitantes e mais de 1,3 mil casos confirmados de febre do Oropouche; e Santa Teresa, onde a doença está ainda latente, mas, pelas características do local, as ocorrências podem se aproximar às da primeira localidade.
“A missão foi um sucesso, pois a equipe já conseguiu identificar os insetos e com certeza vai tratar de medidas de controle envolvendo aspectos ambientais e da agricultura. Nesta semana, haverá uma reunião para os encaminhamentos e demais tratativas. Esse trabalho será um estudo de caso muito importante em Saúde Única, talvez o primeiro da Embrapa, pois vai englobar todo o aspecto ambiental, da produção agrícola, a comunidade, envolvendo um agente viral emergente. A febre do Oropouche está tendo uma transmissão maior que a dengue atualmente. O que antes estava restrito ao Norte do país, hoje está em todo Brasil, em todas regiões e já com mortes, inclusive no Paraná”, sinaliza a pesquisadora Janice Zanella, da Embrapa Suínos e Aves (SC), membro do Comitê Permanente da Embrapa em Saúde Única e com participação em painéis nacionais e internacionais sobre o tema. Por sua atuação em Saúde Única e em virologia, foi indicada como ponto focal da Embrapa na Sala de Situação do Ministério da Saúde.
Em síntese, dentro das demandas apresentadas para a Embrapa, Janice afirma que é necessário um aprofundamento na biologia/ecologia de Culicoides, fazendo uma interface com mudanças climáticas ou alterações ambientais, ou seja, o quanto essa biologia/ecologia desses vetores já está sendo alterada por questões ambientais. “Além disso, deve incluir a caracterização virológica e a dinâmica de distribuição dos vírus [Orthobunyavirus oropoucheense], a circulação geral em animais e, por fim, o desenvolvimento de técnicas, estratégias e moléculas para controle do vetor”, afirma.
Primeiro diagnóstico
Fabiana Rezende, ponto focal na Embrapa Mandioca e Fruticultura no tema Saúde Única, fez um relato das primeiras impressões in loco, ressaltando que o grupo de trabalho, que está se iniciando, ainda vai discutir a elaboração da proposta a ser encaminhada ao MS para avaliação.
Segundo a pesquisadora, o inseto, comum em diversas localidades, teve sua área de disseminação/infestação em locais de grande atividade antrópica, que corresponde a uma ação realizada pelo homem. As áreas mostram características semelhantes de cultivo de banana, cacau, café e outras frutíferas (manga e mamão), onde fica evidente a pouca proteção de nascentes e topos de morro em áreas de topografia bem acidentada, aspecto que, somado às condições de umidade e temperatura, foi favorável ao problema atual.
“Após a ocorrência da doença relacionada ao vírus que o inseto transmite, diversos produtores têm repensado sua presença nas áreas onde vivem. Os relatos são bastante impactantes. Pessoas que residem na localidade ao longo de muitas décadas pensam em abandonar suas áreas pelo risco que têm de contrair a febre do Oropouche. Ainda é relatado que os familiares deixaram de visitar seus parentes por causa do risco da doença”, conta Fabiana.
Diante dos relatos, foi possível constatar, de acordo com a pesquisadora, que a atividade antrópica foi a principal causadora da infestação do mosquito e de sua atual evolução de disseminação da virose. “Sua disseminação nas áreas rurais foi tão grande que o inseto passou a ir se alimentar também nas áreas urbanas, trazendo transtornos para ambas as populações”, pontua Fabiana.
Com o olhar para a questão emergencial e também com foco de soluções de médio e longo prazo, o objetivo é buscar estratégias de contenção e controle de locais propícios para a procriação do inseto. Ela destacou algumas ações que a equipe irá discutir e avançar na proposta de atuação junto aos demais órgãos (MS e Fiocruz), entre as quais, a busca de agentes biológicos, químicos e formas alternativas que controlem a reprodução do inseto (larvas e adultos); mobilização da comunidade envolvida para conscientizar e passar por um processo de escuta participativa em que todos possam colaborar na busca de soluções; e mobilização social para conscientizar a população sobre medidas preventivas.
“E em médio e longo prazo, após ouvir a comunidade impactada, vamos buscar promover ações que tragam equilíbrio ao ambiente afetado. Dessa forma, serão destacadas áreas de estudo para recomposição de nascentes, testes com plantas repelentes, controle biológico, plantios diversificados, aplicação de insumos orgânicos e estratégias com base no conhecimento local e em pesquisas em Saúde Única, visando ao reequilíbrio ambiental das localidades afetadas. Esse estudo será um piloto para a busca de soluções em regiões com problemas dessa natureza”, complementa a pesquisadora.
O chefe-geral da Embrapa Mandioca e Fruticultura, Francisco Laranjeira, explica que o envolvimento da Unidade na missão se dá não só pelas implicações com cultura com a qual a UD trabalha, no caso a banana, mas também pelo fato de a Unidade ter forte atuação no baixo-sul da Bahia, região muito afetada também pelo problema em 2024, e estar comprometida com ações relacionadas ao desenvolvimento regional, inclusive as financiadas por emendas parlamentares. Fitopatologista e epidemiologista da área vegetal, com histórico de trabalhos com doenças transmitidas por vetores, Laranjeira disse que o tema Saúde Única integra as preocupações da Embrapa Mandioca e Fruticultura. “Consideramos a transferência da pesquisadora Fabiana Rezende para cá uma excelente oportunidade para começarmos a atuar com a questão da Saúde Única. Não somos apenas uma Unidade de produto. Estamos preocupados em atuar em uma Embrapa única, por isso faz muito sentido estarmos nessa frente”, destaca.
O que é a febre do Oropouche?
O vírus da febre do Oropouche é um agente descoberto nos anos 1950. Antes restrito a regiões de florestas, agora tem um ciclo urbano e periurbano. O ciclo silvestre ocorre entre bichos-preguiça, aves silvestres, primatas e seres humanos (e o mosquito). O mosquito transmissor, o maruim, é o vetor que se infecta e transmite o vírus entre as espécies. Já o ciclo urbano se mantém entre o ser humano e o mosquito. De acordo com Janice, não se sabe muito de hospedeiros intermediários entre o mosquito e o homem no ciclo urbano.
O Brasil por sua diversidade possui também uma gama de genótipos desse vírus. Dos quatro genótipos conhecidos, todos já foram detectados no país. “E não há vacina. Os inseticidas, larvicidas, adulticidas e repelentes eficientes para controlar o mosquito ainda precisam ser estudados e definidos. E esse mosquito se comporta diferentemente do mosquito da dengue, pois não se reproduz em água parada, mas em matéria orgânica. Tem sido identificado em plantações de banana, cupuaçu, café e cacau. Daí a importância da atuação da Embrapa em todo esse contexto”, explica Janice.
Os sintomas são parecidos com os da dengue e de outras arboviroses: febre, dor de cabeça, dor muscular e articular. Nesse sentido, o Ministério da Saúde ressalta a importância de que a vigilância em saúde seja capaz de identificar casos dessas doenças por meio da investigação dos aspectos clínicos, epidemiológicos e laboratoriais e orientar as ações de prevenção e controle.