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Pescadoras testam armadilha sintética para pesca de camarão de água-doce na Amazônia

A pesca artesanal do camarão de água-doce na foz do Rio Mazagão, no sul do Amapá, está passando por uma transformação que contribui para a sua sustentabilidade: o uso do matapi sintético. Matapi é uma armadilha em formato cilíndrico, cujo modelo tradicional é feito com tala de palmeiras e demanda uso intensivo de mão de obra para a coleta e tratamento dos cipós. Já a versão sintética é fabricada em PVC e mantém os mesmos formato e estrutura do tradicional e apresenta vantagens em duas frentes. Por um lado, o pescador passa a capturar camarões padronizados, no tamanho adequado para a comercialização, e seu uso poupa as palmeiras que servem de matéria-prima para a confecção do matapi tradicional.

Desenvolvido por pesquisadores da Embrapa Amapá (AP), o matapi sintético apresenta vantagens como mais facilidade e menor custo de fabricação e maior durabilidade. Enquanto a armadilha feita de palmeira dura em média três meses, a sintética tem vida útil de cinco anos. A inovação também proporciona captura de animais de tamanho uniforme, resultando em aumento de renda para o pescador.

A novidade é resultado de testes de uso realizados pela Embrapa Amapá com pescadoras da Associação das Mulheres Produtoras Agroextrativistas da Foz do Rio Mazagão Velho (Ampafoz) e pescadores de comunidades de Santana, localidades próximas ao estuário amazônico. “Os estudos tiveram como base a eficiência de captura, a durabilidade, facilidade de manuseio, facilidade de construção e levamos em consideração também o custeio de manutenção e de uso pelos pescadores”, detalha o pesquisador da Embrapa Jô de Farias Lima.

Espaçamento da tela poupa camarões jovens

A armadilha sintética feita de PVC é portátil, desmontável, de fácil manuseio e transporte. É formada por quatro partes, acopláveis entre si: anéis de fixação, tela em semicírculo para os funis, tela de cobertura e hastes de fixação. Lima explica que o matapi sintético tem como base o apetrecho tradicional. “Ele também é cilíndrico, e a partir desse formato usamos quatro pedaços de tubos PVC, de 2 cm”, conta. Para recobrir a armadilha, os técnicos usaram uma tela estilo sombrite, mas feita de material plástico e que possui espaçamento de dez milímetros. “Essa medida é muito importante porque auxilia os camarões jovens a escaparem da armadilha”, frisa o cientista.

Na parte lateral da armadilha, há dois cones feitos do mesmo material. Na parte mais ao centro, há um pequeno orifício com uma tampa feita do mesmo material da tela. A estrutura toda é grampeada e presa por rebites e os detalhes são feitos com uma amarra de fio de nylon.

Os materiais usados para fabricar o matapi sintético são vendidos no comércio varejista da maioria das cidades e seus componentes foram desenhados sob medida para facilitar a construção. “O menor tempo para confecção, o maior tempo de uso – de pelo menos cinco anos, a baixa manutenção e a padronização de fabricação reduzem significativamente os custos de produção, trazendo economia aos pescadores”, afirma Farias.

A armadinha em funcionamento

Na captura com matapi, os camarões são atraídos para o interior por meio de iscas preparadas com ingredientes regionais como farinha de babaçu, buriti, inajá, farinha de peixe, farinha da cabeça do camarão e outros. Ao entrarem na armadilha, os camarões ficam presos devido à estrutura de malha e ao posicionamento do cone de entrada que bloqueiam a visão dos animais, interferindo na formação de um ponto de referência para fuga.

BOX 1

Foto do matapi tradicional

A armadilha tradicional

A fabricação do matapi tradicional é feita de modo artesanal e requer grande esforço físico na coleta e tratamento da palmeira, além de habilidade em artesanato. A primeira etapa é a coleta e secagem das palmeiras e cipós, corte e preparação das talas e cipós, seguindo pela tecelagem da malha de cobertura, instalação dos anéis de sustentação com cipós, montagem do cilindro, tecelagem e instalação dos funis, construção de abertura lateral e instalação da porta para retirada dos camarões. Esse tipo de apetrecho possui durabilidade baixa, em média é preciso fazer a reposição a cada três meses.

FIM DO BOX 1

O matapi ainda utilizado pela maioria dos ribeirinhos da região possui frestas (distância entre talas) de três milímetros, em média. Essa abertura permite a captura também do camarão imaturo ou em fase inicial de reprodução. “Isso pode comprometer a renovação dos estoques naturais de camarões na região”, alerta Lima.

Aumento da pesca ameaça camarões e palmeiras

A inspiração para desenvolver o matapi sintético surgiu durante as atividades de campo da equipe da Embrapa, percorrendo comunidades ribeirinhas da foz do Rio Mazagão. O pesquisador Jô de Lima primeiro constatou in loco os apontamentos de outros estudos indicando que a pesca artesanal de camarões de água doce no estuário amazônico tem se intensificado nos últimos anos. Isso vem causando impactos na população natural desses animais, devido à captura de indivíduos em fase jovem, como também provoca redução dos estoques naturais de palmeiras e cipós, que são tradicionalmente utilizados na fabricação das armadilhas de pesca. “De 2015 para cá, o camarão vem sofrendo uma queda grande por aqui. A gente pegava muito camarão miudinho, e a cada ano vai diminuindo. A solução que a gente viu foi o matapi sintético, porque captura só os médios e grandes”, relata a pescadora Rosilda do Socorro Viana Pacheco.

A equipe da Embrapa desenvolveu, inicialmente, a pesquisa que avalia a eficiência de captura e a seletividade de matapis adaptados com três diferentes distâncias entre talas em relação a diferentes classes de tamanho. Para isso, os trabalhos de campo ocorreram em igarapés de duas áreas na foz do Rio Amazonas: Ilha de Santana e Mazagão Velho. Um dos modelos é o matapi com distância entre talas medindo 0,5 cm, representando a distância utilizada por ribeirinhos da Ilha das Cinzas em Gurupá (Pará); o segundo modelo apresenta distância entre talas de 1,0 cm; e por fim foi testado o matapi com aberturas de 1,5 cm entre talas.

Os pesquisadores concluíram que os matapis que apresentam frestas abaixo dos modelos testados nesse estudo, atualmente utilizados pelos pescadores artesanais, podem ser considerados predatórios, pois permitem a captura de indivíduos de pequeno porte, conforme ocorreu nos testes com o modelo de 0,5 cm de abertura. A adaptação desse apetrecho com o alargamento da malha possibilitou a redução de mais de 30% na captura de jovens (com menos de 4,5 cm) sem afetar o rendimento econômico da atividade, pois há a compensação com a captura de camarões de médio a grande porte, de maior valor comercial. “Vemos que traz benefícios diretos à preservação da população natural de camarões, especialmente na pesca artesanal do camarão-da-amazônia”, afirma o pesquisador.

Mulheres são protagonistas na pesca do camarão

Durante uma oficina técnica promovida pela Embrapa, um grupo de pescadoras da Associação das Mulheres Produtoras Agroextrativistas da Foz do Rio Mazagão Velho (Ampafoz), localizada no distrito Mazagão Velho (AP), confeccionou matapis sintéticos para a captura do camarão naquela região. Os matapis estão sendo utilizados por um grupo de pescadoras das comunidades Espinhel e Igarapé Grande.

Uma delas é dona Rosilda do Socorro Viana Pacheco, 43 anos, que pesca camarões na foz do Rio Mazagão Velho, que fica a 30 minutos de barco da cidade de Mazagão. Ela conta que, quando se trata de pesca de camarão na foz do Mazagão Velho, as mulheres dominam a atividade. “Somos nós, mulheres, que fazemos a pesca. Os homens ajudam depois do camarão pescado. Mas não vivemos somente da pesca, temos a agricultura familiar, o açaí, somos agroextrativistas”, destaca a pescadora, mãe de quatro filhos adultos.

Antes de aprender a fazer o matapi sintético, ela comprava a tala de jupati no porto de Santana, cidade portuária do Amapá, onde chega o carregamento dos fornecedores do Pará, para confeccionar suas armadilhas. “Estamos em fase de testes e já vejo muita diferença boa usando o matapi sintético. Porque agora a gente só pega o camarão grande e médio, e isso melhorou nossa renda porque é um camarão de qualidade e as pessoas pagam mais”, conta.

Reciclagem de materiais plásticos

O matapi sintético, em comparação ao tradicional, recicla materiais plásticos evitando a extração de recursos naturais para sua confecção, tem maior durabilidade e o espaçamento entre as tramas evita a pesca predatória de camarões jovens. Para o pescador, ocorrem dois ganhos diretos. Primeiro é o aumento do volume de camarões capturados devido à padronização dessa captura para camarões de maior porte, o que traz melhor retorno na comercialização. Outra vantagem é a durabilidade da armadilha em PVC, que reduz a despesa com a compra e manutenção das armadilhas.

O apetrecho inovador para pesca de camarão vem servindo para testes comparativos do Projeto “Pesca Sustentável na Costa Amazônica”, financiado pela Unesco com abrangência em comunidades do litoral do Amapá, Pará e Maranhão. No Amapá, as comunidades beneficiadas estão localizadas nos municípios de Macapá (arquipélago do Bailique), Santana e Mazagão.

A coordenadora de Execução e Articulação do Projeto no Amapá, Josi Malheiros, destaca as vantagens do matapi sintético. “É mais uma alternativa para os pescadores que, ao longo do tempo, ficaram sem outra opção de apetrecho e lidando com os altos preços, escassez e baixa qualidade do matapi tradicional. A versão sintética veio reforçar uma alternativa de instrumento similar ao tradicional, bem compatível com a realidade do pescador”, afirma.

Descarte consciente

Ela ressalta também o desafio de dar o destino apropriado a uma armadilha confeccionada com plástico no fim de sua vida útil. A pesquisadora recomenda um trabalho permanente de conscientização para que o matapi sintético, tão logo não tenha mais utilidade para a captura de camarões, seja reutilizado para outros fins, assim como acontece com o plástico comum. “O desafio é conscientizar todo o sistema da pesca artesanal. Se usamos matapi convencional, temos que pensar no manejo das espécies florestais que se encontram escassas. Com a versão sintética, é preciso ter cuidado especial após sua vida útil. Portanto, os dois tipos devem ser manuseados com conscientização de reutilização”, pondera.

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