Rodrigo Paranhos (1), Renata Borguini (1) e Anderson Sevilha(2), pesquisadores da Embrapa Agroindústria de Alimentos (1) e Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (2).
Dois grandes eventos colocam a América Latina e a Amazônia na pauta ambiental mundial. Em outubro de 2024, ocorreu a COP 16, a Conferência das Partes das Nações Unidas (ONU) sobre Biodiversidade, na Colômbia, que teve como marco histórico, o reconhecimento do papel essencial dos povos indígenas e das comunidades tradicionais na conservação da biodiversidade e a criação de um Corpo Permanente para os Povos Tradicionais para que estas tenham uma voz direta nas negociações das futuras conferências da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB). Em 2025, será realizada em Belém (PA) a COP30, a Conferência das Partes da ONU sobre Mudanças Climáticas, que está intrinsecamente ligada à COP da Biodiversidade.
O Brasil recebe a COP mais de 30 anos depois da Rio 92, evento que deu início a discussão do tema em nível global. Agora, os mais de 190 países participantes do encontro terão que revisar metas e tomar decisões para o combate às mudanças climáticas.
A ciência desempenha papel central nesse contexto. Decisões importantes são fundamentadas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a maior autoridade global sobre o tema. Criado em 1988 pela ONU e pela Organização Meteorológica Mundial, o IPCC reúne e avalia o conhecimento técnico-científico disponível, oferecendo aos formuladores de políticas análises regulares sobre mudanças climáticas, seus impactos, riscos futuros e estratégias de adaptação e mitigação. De forma semelhante, o Órgão Subsidiário de Aconselhamento Científico e Tecnológico (SBSTTA) desempenha uma função crucial no âmbito da CDB. Composto por representantes de países membros, peritos e especialistas, o SBSTTA realiza avaliações multidisciplinares sobre o estado da biodiversidade, analisa as medidas implementadas em conformidade com a Convenção e responde a questões estratégicas encaminhadas pela COP. Essas instituições exemplificam como o conhecimento científico orienta decisões globais para enfrentar desafios ambientais complexos.
A capacidade das nações em fazer ciência é fundamental para que estratégias soberanas de negociações sejam acordadas. Boa ciência é feita com educação de qualidade, infraestrutura adequada, pessoal capacitado, inovação tecnológica, resgate e valorização dos saberes e da cultura local. Cada país precisa deter o conhecimento tecnológico, resgatar, sistematizar, promover e valorizar o conhecimento tradicional para se manter soberano e potencializar o desenvolvimento. A Amazônia desperta muito interesse porque é a maior floresta tropical do mundo, que se estende por oito países que requerem instituições de excelência no campo técnico-científico atuando em parceria e cooperação.
A inter-relação entre a diversidade biológica e a diversidade cultural define o conceito de sociobiodiversidade. Ciência, tecnologia, conhecimento, saberes tradicionais e culturas locais precisam convergir para promover negócios, gerar empregos, aumentar a renda e impulsionar o desenvolvimento social, sempre em alinhamento com as principais preocupações ambientais. Investimentos nessa área devem considerar fatores críticos como desmatamento, mudanças climáticas, queimadas, mineração desordenada, direitos dos povos originários, fragmentação de habitats e contaminação dos solos e recursos hídricos, entre outros, servindo esses elementos como balizadores para decisões sustentáveis e inclusivas.
Nosso país tem um grande trunfo nas mãos que são os sete centros de pesquisa da Embrapa, que atuam na região e uma série de instituições científicas como Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Museu Paraense Emílio Goeldi, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, além das Universidades e Institutos Federais.
Um bom exemplo do resultado do trabalho dos cientistas é a plataforma Tecnologias Sustentáveis para a Amazônia (https://www.embrapa.br/fundo-amazonia/tecnologias-sustentaveis), que apresenta uma lista de práticas agropecuárias, processos e produtos disponíveis para o bioma amazônico. Continuidade e integração das ações são fundamentais para que esses esforços não sejam perdidos e a complementaridade entre as instituições seja potencializada. Pesquisa básica e pesquisa aplicada devem caminhar juntas, com iniciativas públicas, privadas e do terceiro setor.
Parte dessas tecnologias estão sendo colocadas em prática desde 2018 pela Embrapa junto aos povos e comunidades tradicionais (PCTs) da Amazônia pelos projetos Bem Diverso, com recursos do GEF/PNUD, e Sustenta e Inova, com recursos da União Europeia, em parceria com Sebrae, na região do Marajó. Estes projetos visam a conservação da biodiversidade pela promoção de seu uso sustentável e a inserção de PCTs em circuitos sociobioeconômicos por meio de ações de conservação, manejo e restauração de agroecossistemas, processamento de produtos e agroindustrialização e da promoção de acesso a mercados, políticas públicas e crédito. O sucesso dessas iniciativas rendeu a nomeação pela ONU, como exemplo de boas práticas que podem ser reproduzidas no Brasil e no planeta para se atingir aos objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) e, pela União Europeia, como exemplo de história de mudanças na América Latina para se ativar a transição agrícola para a sustentabilidade por meio de pesquisa participativa e co-inovação.
Adicionalmente, a Embrapa aprovou o projeto “Bioeconomia inclusiva na Amazônia por meio de sistemas integrados de produção, processamento e consumo sustentáveis de castanha-da-amazônia, cupuaçu e açaí”. A iniciativa visa investigar e desenvolver soluções ligadas a três espécies amazônicas com grande potencial para geração de emprego e renda na região. O projeto que se inicia no ano que vem, terá duração de três anos e pretende agregar valor a estas matérias-primas por meio do aproveitamento integral dos seus frutos e do desenvolvimento de ativos em parceria com os beneficiários locais organizados em associações e cooperativas, além de desenvolver ferramentas para gestão territorial e capacitações visando a sustentabilidade dos sistemas de produção, processamento e consumo.
A valorização da biodiversidade, por meio da agregação de valor aos seus produtos, é uma estratégia essencial para impulsionar o desenvolvimento sustentável no bioma amazônico. A bioeconomia inclusiva na região tem potencial de integrar a agricultura familiar, povos indígenas e comunidades tradicionais — elos iniciais e fundamentais das cadeias de valor — aos processos de agregação de valor e comercialização dos produtos. A conservação e o uso sustentável da biodiversidade amazônica dependem da inclusão socioprodutiva, que deve proporcionar benefícios ambientais, econômicos e socioculturais, tanto em escala local quanto global, reconhecendo o papel fundamental da floresta amazônica na regulação do clima do planeta.