O professor emérito da Universidade de Ohio (EUA) Rattan Lal afirmou que as guerras têm causado grandes prejuízos aos solos mundiais. “Precisamos falar mais sobre isso. A paz global também é uma questão de ciência”, defendeu o pesquisador hindu-americano, que conquistou o Nobel da Paz em 2007 por sua participação no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Lal e o pesquisador Ladislau Martin Neto, da Embrapa Instrumentação, participaram do painel “Ciência e Agricultura” durante a reunião do G20, coordenada pela Embrapa, em Brasília, no período de 15 a 17 de maio.
Segundo o Nobel da Paz, uma guerra envolve duas partes: os países e o solo que lutam para conquistar. Além das pessoas, o solo também sofre, mas silenciosamente. Torna-se poluído, contaminado, com crateras, compactado e a biodiversidade destruída. A recuperação leva gerações. “Ninguém tem o direito de destruir o solo. Deve ser declarada uma moratória sobre os crimes contra a natureza e a prioridade máxima é restaurar a saúde do solo”, enfatizou.
Em relação à segurança alimentar global, o professor pontuou que o maior problema não é a produção de alimentos, que cresceu seis vezes nas últimas décadas, mas sim a sua distribuição. “A África tem uma população muito menor que a da Índia, 200 milhões de habitantes. Entretanto, gasta anualmente US$ 60 bilhões na importação de alimentos”, observou, lembrando que uma das prioridades do G20 deve ser voltada ao desenvolvimento de ações de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) para mudar esse cenário. “A África tem os recursos naturais necessários para ser o próximo celeiro do mundo. A estratégia consiste em traduzir em ação a ciência comprovada da gestão agronômica do solo, a partir da força de vontade política”, complementou.
Durante a sua apresentação no evento, Lal destacou que, atualmente, 38% da superfície terrestre da Terra (5 bilhões de hectares) são usados para a agricultura, 75% são destinados à criação de animais, 70% das captações globais de água doce (3.150 km3) são usadas para irrigação, e cerca de 35% das emissões globais de gases de efeito de estufa (GEE) são provenientes da agricultura. “Ainda assim, uma em cada oito pessoas sofre de insegurança alimentar e de duas a três estão desnutridas”, acrescentou.
Para ele, os sistemas alimentares e a produção agrícola devem ser a solução para o aquecimento global e outras questões ambientais, ao mesmo tempo que promovem a segurança alimentar e nutricional e os ODS da Agenda 2030 da ONU. A revolução agrícola do século XXI está baseada em três pilares: resiliência do solo, eficiência ecológica e no conhecimento científico orientado para gestão da agropecuária mundial.
Lal explicou que o solo, como entidade dinâmica e biologicamente ativa, tem capacidade de sustentar múltiplos serviços ecossistêmicos o que é fundamental para o bem-estar humano e a conservação dos recursos naturais
Silvia Massruhá e Rattan Lal no evento do G20 coordenado pela Embrapa
Combate à fome requer redução do desperdício de alimentos
Em relação à segurança alimentar, o professor defende que o mundo produz alimentos suficientes para alimentar 10 bilhões de pessoas. “Para alcançar a segurança alimentar e nutricional, é fundamental reduzir de 30% a 50% o desperdício de alimentos, aumentar o acesso aos alimentos, combatendo a pobreza, a desigualdade, as guerras e a instabilidade política, além de melhorar a distribuição”, salientou.
Lal lembrou ainda a importância de aumentar a produtividade agronômica das terras existentes, restaurar terras degradadas, melhorar a fixação biológica de nitrogênio (FBN) em leguminosas e converter algumas terras agrícolas em sistemas sustentáveis. Como futuras políticas para a agricultura global até 2030, ele apontou: redução no uso de pesticidas e fertilizantes, aumento da eficiência no uso da água e devolução de terras marginais à natureza.
Em relação à descarbonização, o pesquisador enfatizou que o crédito de carbono deve ser incentivado como fonte de renda alternativa para ao agricultores, podendo chegar a US$50 por crédito. Os fundos necessários nesse sentido são de US$ 100 bilhões por ano, sendo US$ 70 bilhões para pequenas propriedades e US$ 30 bilhões para outras fazendas. Esses recursos, na opinião de Lal, podem vir de países exportadores de combustíveis fósseis, agroindústrias, setor privado e consumidores.
Ciência aponta caminhos para a segurança alimentar
No mesmo painel, o pesquisador Ladislau Martin Neto, da Embrapa Instrumentação (SP), falou que o desafio global da segurança alimentar no Planeta, que usa de forma acelerada os recursos naturais e sofre com os impactos das mudanças climáticas, deve mobilizar cientistas nos diversos continentes. Martin Neto apresentou às delegações do G20 a transformação agrícola do Brasil nas últimas cinco décadas, que permitiu ao País saltar da posição de importador de alimentos, na década de 1970, para a de um dos maiores players em inovação agrícola tropical. “Esse é um resultado construído pela pesquisa, com a participação decisiva dos produtores rurais, de políticas públicas, do cooperativismo e outras formas de associativismo”, frisou. O pesquisador apontou como desafios atuais o aumento de produtividade, associado à redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), qualidade e segurança dos alimentos, do ponto de vista nutricional, em um mundo desafiado também pelas zoonoses. “A biotecnologia avançada, os bioinsumos, a inteligência artificial, as tecnologias digitais disruptivas, a automação, a fotônica, a nanotecnologia, entre outros, já estão presentes nas pesquisas e deverão contribuir ainda mais nas próximas décadas para o cenário apresentado”, observou. Martin Neto recomendou ainda o aumento de agendas de cooperação científica e de inovação entre os países do G20 e de todo o Planeta para superar os imensos desafios da segurança alimentar global. Alguns temas relevantes nesse sentido são: a mitigação e adaptação às alterações climáticas globais, zoonoses, segurança alimentar, tecnologias avançadas (TI, IA, biotecnologia e nanotecnologia), e o melhoramento genético preventivo para antecipação de novas doenças e pragas de plantas. Segundo o pesquisador, os desafios relacionados à segurança alimentar global, que é a prioridade máxima da humanidade, no que se refere à produção de alimentos, serão maiores do que no passado, o que exigirá novas abordagens e ferramentas científicas para o desenvolvimento de soluções sustentáveis inovadoras. No caso da agricultura familiar, essas soluções estão pautadas em transferência de tecnologia, extensão rural, créditos, associações de agricultores, e cooperativas para aumentar o acesso a soluções tecnológicas inovadoras. “O papel da pesquisa agrícola pública é muito necessário, especialmente devido à mitigação e adaptação às alterações climáticas. Portanto, o aumento dos investimentos públicos é fundamental”, reforçou Martin Neto. Paralelamente, devem ser envidados esforços em melhorias na gestão administrativa, modelos de parcerias público-privadas, inovação aberta, cooperação internacional em consórcios e modelos multiusuários. |