Pesquisadores de 16 países, dentre eles o Brasil, realizaram o sequenciamento do genoma referência do café da espécie arábica, a mais consumida em todo o mundo. Três pesquisadores são da Embrapa Café e outros oito de instituições que compõem o Consórcio Pesquisa Café, da qual a Embrapa é coordenadora. Artigo científico publicado no último dia 15 na Nature Genetics, revista científica de alto impacto, apresenta informações inéditas em relação ao genoma e à genômica populacional dessa espécie, que revelam a história de diversificação das cultivares plantadas atualmente. O pesquisador da Embrapa Café, Alan Andrade explica que o grupo de cientistas, do qual faz parte, realizou um mapeamento genético estrutural completo do Coffea arabica, com a mais alta qualidade até hoje alcançada. “Com isso chegamos ao que chamamos de genoma de referência. Em 2004, fomos pioneiros aqui no Brasil no sequenciamento funcional do genoma da espécie arábica. Agora, com o estrutural, passamos a conhecer a ordem dos genes dentro das sequências de DNA e das regiões intergênicas que compõem o genoma, o que não é possível ver no sequenciamento funcional”. Com isso, ficou mais fácil identificar genes que conferem às plantas características específicas como resistência a doenças e seca ou tamanho da cereja do café, assim como aroma e sabor. O pesquisador Luiz Filipe Pereira, também da Embrapa Café, adianta que avanços importantes já estão sendo alcançados a partir dos resultados obtidos. “Como estamos imersos há anos nesse trabalho, estamos desenvolvendo diversas pesquisas com foco na cafeicultura brasileira utilizando os dados desse estudo”. Ele explicou que o genoma detalhado permite identificar variações genéticas de bases de DNA associadas a características fenotípicas como, por exemplo, a resistência a doenças. “Assim, através da análise do DNA das plantas conseguimos rapidamente selecionar as que possuem resistência ao patógeno, acelerando o melhoramento”, detalhou Pereira. Dados do novo sequenciamento também estão sendo aplicados no desenvolvimento de tecnologias para certificação e rastreabilidade do café. O Estudo contou ainda com a participação da pesquisadora da Embrapa Café Lilian Padilha, que atuou em conjunto com a equipe do Instituto Agronômico (IAC). Evolução do café arábica Com os novos mapeamentos genéticos foram realizadas comparações das sequências e estruturas completas do genoma das espécies Coffea arabica, Coffea eugenioides e novamente do Coffea Canephora. O objetivo foi revelar a evolução das espécies, a função dos genes, o mecanismo de regulação dos genes, identificando as estruturas de sequência e os elementos que se conservaram ou se De: O genoma e a genômica populacional de Coffea arabica alopoliploide revelam a história da diversificação de cultivares modernas de café enciaram. Foram realizadas ainda as análises sobre a família dos genes, o desenvolvimento evolutivo, a duplicação de todo o genoma, e a pressão seletiva sofrida. Segundo os pesquisadores, “ferramentas genômicas modernas e uma compreensão detalhada da origem e da história de melhoramento das variedades contemporâneas são vitais para o desenvolvimento de novos cultivares de café arábica, mais bem adaptadas às mudanças climáticas e às práticas agrícolas”. Eles realizaram novo sequenciamento do genoma completo de 41 acessos selvagens e cultivados dessa espécie, até mesmo de um espécime do século XVIII usado pelo naturalista sueco Carl Linnaeus, o que permitiu uma análise aprofundada da história e das rotas de disseminação do C. arabica. A C. arabica é uma espécie poliploide, denominada alotetraploide, pois carrega 44 cromossomos. Ela é resultado de um evento de hibridização natural entre os ancestrais do atual Coffea canephora (café Robusta) e Coffea eugenioides, que possuem 22 cromossomos cada, classificados como diploides. Essa duplicação do genoma inteiro recebe a sigla WGD, em inglês. Os cientistas tinham dificuldade em identificar exatamente quando – e onde – ocorreu este evento de alopoliploidização, com estimativas que variavam entre 10.000 e 1 milhão de anos atrás. Por meio de modelação computacional, os pesquisadores buscaram assinaturas da fundação da espécie realizando análises nos genomas da C. arabica. Os modelos mostram três estrangulamentos populacionais ao longo da história, sendo que o mais antigo ocorreu há cerca de 29 mil gerações, ou 610 mil anos. Isto sugere que o Arábica se formou algum tempo entre 360 mil e 610 mil de anos atrás e teve sua população com níveis de crescimento e diminuição em períodos de aquecimento e arrefecimento da Terra por milhares de anos, antes de ser, eventualmente, cultivada na Etiópia e no Iémen, e depois espalhada por todo o globo. Antes acreditava-se que as plantas de café haviam sido cultivadas pela primeira vez na Etiópia, mas as variedades coletadas pelos pesquisadores em torno do Grande Vale do Rift, que se estende do Sudeste da África até à Ásia, apresentavam uma clara divisão geográfica. As variedades selvagens estudadas são todas originárias do lado ocidental, enquanto as variedades cultivadas são todas originárias do lado oriental, mais próximo do estreito de Bab al-Mandab, que separa a África do Iémen. Isto estaria de acordo com as evidências de que o cultivo do café pode ter começado principalmente no Iémen, por volta do século XV, indo em sequência para a Índia, o que sustenta a lenda do contrabando de “sete sementes” realizado pelo monge indiano Baba Budan, por volta de 1600. Assim, a diversidade do café iemenita pode ser a fundadora de todas as principais variedades de arábica atuais. Para os estudiosos, a poliploidia é uma força evolutiva poderosa que moldou a evolução do genoma em muitas linhagens eucarióticas, possivelmente oferecendo vantagens adaptativas em tempos de mudanças globais. No entanto, as cultivares contemporâneas de Arábica descendem de linhagens Typica ou Bourbon, que possuem diversidade genética particularmente baixa, suscetíveis a muitas pragas e doenças, como a ferrugem do café, podendo ser cultivadas com sucesso apenas em algumas regiões do mundo. Em 1927, foi identificado na ilha de Timor um híbrido espontâneo de C. canephora resistente ao fungo H. vastatrix, causador da ferrugem. A partir do novo geno ma de referência do Arábica, os estudos realizados com plantas dessa linhagem, possibilitaram identificar um novo local-alvo para potencialmente melhorar a resistência a patógenos, como esse fungo. O novo sequenciamento do genoma forneceu outras novas descobertas, como quais variedades silvestres estão mais próximas do café Arábica cultivado atualmente. Os cientistas descobriram que a variedade Typica, uma antiga cultivar holandesa originária da Índia ou do Sri Lanka, é provavelmente a mãe da variedade Bourbon, muito utilizada na preparação de cafés especiais. O Brasil e a Embrapa na fronteira do conhecimento em genômica do café Desde o início do século XIX o Brasil tem liderado a produção e a exportação mundial de café, que está presente no país há quase 300 anos. Esta liderança tem sido ancorada por extenso trabalho de pesquisa ligada à cafeicultura, que remonta à criação da Seção de Café no Instituto Agronômico (IAC), em 1923. A partir daí, o país não deixou de realizar estudos ligados a essa cultura. Poucos anos depois, em 1929, com a criação da Seção de Genética, tiveram início os trabalhos de genética e melhoramento do cafeeiro. Desde então, dezenas de Instituições passaram a realizar estudos para o setor cafeeiro ou foram criadas em função dele, como a Embrapa Café e o Consórcio Pesquisa Café, que atualmente congrega cerca de 40 órgãos de pesquisa que possuem trabalhos voltados para essa cultura. Em relação ao sequenciamento genético do cafeeiro, a Embrapa tem protagonizado importantes avanços. Em 2004, Alan Andrade; Luiz Filipe Pereira; Carlos Colombo, pesquisador do Instituto Agronômico (IAC) e Luiz Gonzaga, pesquisador do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (Iapar) coordenaram os trabalhos do primeiro sequenciamento funcional do genoma do café arábica, num projeto do Consórcio Pesquisa Café, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que gerou na época o maior banco de dados para café do mundo, com 200 mil sequências de DNA. O resultado desse trabalho foi decisivo para que dez anos mais tarde fosse realizado o primeiro sequenciamento total do Coffea canephora, num trabalho realizado por um consórcio internacional composto por 11 países, com significativas participações de Andrade e Teixeira. Outro importante sequenciamento foi o do genoma do bicho mineiro, uma das principais pragas do cafeeiro, concluído em 2022 num projeto liderado por pesquisadores da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, com participação de pesquisadores da Embrapa Agroindústria Tropical (CE), Embrapa Café (DF), Embrapa Cerrados (DF), Embrapa Milho e Sorgo (MG) e Universidade Federal de Viçosa (UFV).
Pesquisadores de 16 países, dentre eles o Brasil, realizaram o sequenciamento do genoma referência do café da espécie arábica, a mais consumida em todo o mundo. Três pesquisadores são da Embrapa Café e outros oito de instituições que compõem o Consórcio Pesquisa Café, da qual a Embrapa é coordenadora. Artigo científico publicado no último dia 15 na Nature Genetics, revista científica de alto impacto, apresenta informações inéditas em relação ao genoma e à genômica populacional dessa espécie, que revelam a história de diversificação das cultivares plantadas atualmente.
O pesquisador da Embrapa Café, Alan Andrade explica que o grupo de cientistas, do qual faz parte, realizou um mapeamento genético estrutural completo do Coffea arabica, com a mais alta qualidade até hoje alcançada. “Com isso chegamos ao que chamamos de genoma de referência. Em 2004, fomos pioneiros aqui no Brasil no sequenciamento funcional do genoma da espécie arábica. Agora, com o estrutural, passamos a conhecer a ordem dos genes dentro das sequências de DNA e das regiões intergênicas que compõem o genoma, o que não é possível ver no sequenciamento funcional”. Com isso, ficou mais fácil identificar genes que conferem às plantas características específicas como resistência a doenças e seca ou tamanho da cereja do café, assim como aroma e sabor.
O pesquisador Luiz Filipe Pereira, também da Embrapa Café, adianta que avanços importantes já estão sendo alcançados a partir dos resultados obtidos. “Como estamos imersos há anos nesse trabalho, estamos desenvolvendo diversas pesquisas com foco na cafeicultura brasileira utilizando os dados desse estudo”. Ele explicou que o genoma detalhado permite identificar variações genéticas de bases de DNA associadas a características fenotípicas como, por exemplo, a resistência a doenças. “Assim, através da análise do DNA das plantas conseguimos rapidamente selecionar as que possuem resistência ao patógeno, acelerando o melhoramento”, detalhou Pereira.
Dados do novo sequenciamento também estão sendo aplicados no desenvolvimento de tecnologias para certificação e rastreabilidade do café. O Estudo contou ainda com a participação da pesquisadora da Embrapa Café Lilian Padilha, que atuou em conjunto com a equipe do Instituto Agronômico (IAC).
Evolução do café arábica
Com os novos mapeamentos genéticos foram realizadas comparações das sequências e estruturas completas do genoma das espécies Coffea arabica, Coffea eugenioides e novamente do Coffea Canephora. O objetivo foi revelar a evolução das espécies, a função dos genes, o mecanismo de regulação dos genes, identificando as estruturas de sequência e os elementos que se conservaram ou se
De: O genoma e a genômica populacional de Coffea arabica alopoliploide revelam a história da diversificação de cultivares modernas de café
enciaram. Foram realizadas ainda as análises sobre a família dos genes, o desenvolvimento evolutivo, a duplicação de todo o genoma, e a pressão seletiva sofrida.
Segundo os pesquisadores, “ferramentas genômicas modernas e uma compreensão detalhada da origem e da história de melhoramento das variedades contemporâneas são vitais para o desenvolvimento de novos cultivares de café arábica, mais bem adaptadas às mudanças climáticas e às práticas agrícolas”. Eles realizaram novo sequenciamento do genoma completo de 41 acessos selvagens e cultivados dessa espécie, até mesmo de um espécime do século XVIII usado pelo naturalista sueco Carl Linnaeus, o que permitiu uma análise aprofundada da história e das rotas de disseminação do C. arabica.
A C. arabica é uma espécie poliploide, denominada alotetraploide, pois carrega 44 cromossomos. Ela é resultado de um evento de hibridização natural entre os ancestrais do atual Coffea canephora (café Robusta) e Coffea eugenioides, que possuem 22 cromossomos cada, classificados como diploides. Essa duplicação do genoma inteiro recebe a sigla WGD, em inglês. Os cientistas tinham dificuldade em identificar exatamente quando – e onde – ocorreu este evento de alopoliploidização, com estimativas que variavam entre 10.000 e 1 milhão de anos atrás.
Por meio de modelação computacional, os pesquisadores buscaram assinaturas da fundação da espécie realizando análises nos genomas da C. arabica. Os modelos mostram três estrangulamentos populacionais ao longo da história, sendo que o mais antigo ocorreu há cerca de 29 mil gerações, ou 610 mil anos. Isto sugere que o Arábica se formou algum tempo entre 360 mil e 610 mil de anos atrás e teve sua população com níveis de crescimento e diminuição em períodos de aquecimento e arrefecimento da Terra por milhares de anos, antes de ser, eventualmente, cultivada na Etiópia e no Iémen, e depois espalhada por todo o globo.
Antes acreditava-se que as plantas de café haviam sido cultivadas pela primeira vez na Etiópia, mas as variedades coletadas pelos pesquisadores em torno do Grande Vale do Rift, que se estende do Sudeste da África até à Ásia, apresentavam uma clara divisão geográfica. As variedades selvagens estudadas são todas originárias do lado ocidental, enquanto as variedades cultivadas são todas originárias do lado oriental, mais próximo do estreito de Bab al-Mandab, que separa a África do Iémen. Isto estaria de acordo com as evidências de que o cultivo do café pode ter começado principalmente no Iémen, por volta do século XV, indo em sequência para a Índia, o que sustenta a lenda do contrabando de “sete sementes” realizado pelo monge indiano Baba Budan, por volta de 1600. Assim, a diversidade do café iemenita pode ser a fundadora de todas as principais variedades de arábica atuais.
Para os estudiosos, a poliploidia é uma força evolutiva poderosa que moldou a evolução do genoma em muitas linhagens eucarióticas, possivelmente oferecendo vantagens adaptativas em tempos de mudanças globais. No entanto, as cultivares contemporâneas de
Arábica descendem de linhagens Typica ou Bourbon, que possuem diversidade genética particularmente baixa, suscetíveis a muitas pragas e doenças, como a ferrugem do café, podendo ser
cultivadas com sucesso apenas em algumas regiões do mundo.
Em 1927, foi identificado na ilha de Timor um híbrido espontâneo de C. canephora resistente ao fungo
H. vastatrix, causador da ferrugem. A partir do novo geno
ma de referência do Arábica, os estudos realizados com plantas dessa linhagem, possibilitaram
identificar um novo local-alvo para potencialmente melhorar a resistência a patógenos, como esse fungo. O novo sequenciamento do genoma forneceu outras novas descobertas, como quais variedades silvestres estão mais próximas do café Arábica cultivado atualmente. Os cientistas descobriram que a variedade Typica, uma antiga cultivar holandesa originária da Índia ou do Sri Lanka, é provavelmente a mãe da variedade Bourbon, muito utilizada na preparação de cafés especiais.
O Brasil e a Embrapa na fronteira do conhecimento em genômica do café
Desde o início do século XIX o Brasil tem liderado a produção e a exportação mundial de café, que está presente no país há quase 300 anos. Esta liderança tem sido ancorada por extenso trabalho de pesquisa ligada à cafeicultura, que remonta à criação da Seção de Café no Instituto Agronômico (IAC), em 1923. A partir daí, o país não deixou de realizar estudos ligados a essa cultura. Poucos anos depois, em 1929, com a criação da Seção de Genética, tiveram início os trabalhos de genética e melhoramento do cafeeiro. Desde então, dezenas de Instituições passaram a realizar estudos para o setor cafeeiro ou foram criadas em função dele, como a Embrapa Café e o Consórcio Pesquisa Café, que atualmente congrega cerca de 40 órgãos de pesquisa que possuem trabalhos voltados para essa cultura.
Em relação ao sequenciamento genético do cafeeiro, a Embrapa tem protagonizado importantes avanços. Em 2004, Alan Andrade; Luiz Filipe Pereira; Carlos Colombo, pesquisador do Instituto Agronômico (IAC) e Luiz Gonzaga, pesquisador do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (Iapar) coordenaram os trabalhos do primeiro sequenciamento funcional do genoma do café arábica, num projeto do Consórcio Pesquisa Café, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que gerou na época o maior banco de dados para café do mundo, com 200 mil sequências de DNA.
O resultado desse trabalho foi decisivo para que dez anos mais tarde fosse realizado o primeiro sequenciamento total do Coffea canephora, num trabalho realizado por um consórcio internacional composto por 11 países, com significativas participações de Andrade e Teixeira.
Outro importante sequenciamento foi o do genoma do bicho mineiro, uma das principais pragas do cafeeiro, concluído em 2022 num projeto liderado por pesquisadores da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, com participação de pesquisadores da Embrapa Agroindústria Tropical (CE), Embrapa Café (DF), Embrapa Cerrados (DF), Embrapa Milho e Sorgo (MG) e Universidade Federal de Viçosa (UFV).