O futuro da Engenharia Genética – ciência que consiste em manipular e recombinar genes – passará sem dúvida pelo laboratório do pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia Elíbio Leopoldo Rech Filho, um dos homenageados nos 45 anos da Empresa. Há 37 anos, uma das questões que ele tenta responder é como modificar os alimentos de forma a enfrentar as intempéries da natureza como a seca, o excesso de chuva e as pragas e, com isso, intensificar a produção e garantir a segurança alimentar de forma sustentável.
As pesquisas mais recentes mostram que uma das formas de preparar os cultivos para enfrentar mudanças climáticas e doenças é ligar e desligar genes, o que a ciência chama de edição de genes. Elíbio vai além e, neste momento, também trabalha no intuito de construir cromossomos sintéticos para plantas e animais.
Chegar até esse nível de aplicação da ciência, capaz de transformar sonhos em realidade, exigiu de Elíbio Rech Filho e sua equipe muita dedicação e esforço.
Origem e família
O caminho começou bem antes, no dia 15 de novembro de 1956, quando nasceu no Rio de Janeiro o filho primogênito de Elíbio Leopoldo Rech e Maria Aparecida Rech. O pai, militar, nasceu numa colônia de alemães perto da cidade de Santa Cruz do Sul (RS), hoje conhecida região produtora de tabaco. A família paterna fazia o chamado “plantio de subsistência” e, até os sete anos de Elíbio, só se falava alemão dentro de casa.
Do pai, o pesquisador acredita que herdou a inteligência e a curiosidade pelas coisas da vida. “Saíamos para caminhar juntos, eu e o meu pai, e eu lhe dizia que tinha curiosidade de saber o que estava acontecendo na cabeça das pessoas”, lembra o pesquisador. Com o pai, conversava sobre Geografia, Ciência, Educação, Cidadania e outros assuntos que ajudavam o menino Elíbio a entender o mundo.
A mãe, dona Maria Aparecida, vinha de típica família mineira. Dela, ele herdou os fundamentos emotivos de sua personalidade e o jeito simples e pragmático de encarar a vida e criar os filhos.
Elíbio é pai de Sophia, 20 anos, única filha biológica, atualmente estudante de Direito. “Crio ela com muita tranquilidade, amor e pragmatismo. Falamos sobre absolutamente tudo… Acredito que é possível dizer não falando sim, mais convencendo do que sendo autoritário”, afirma.
O gosto pelos esportes também emprestou determinação e disciplina ao renomado cientista. Já foi tenista profissional e hoje pratica corrida, ciclismo, natação e, como lazer, windsurfe. O porte de atleta, aos 61 anos, não nega a grande dedicação às atividades esportivas.
Estudos e a descoberta do DNA
Em 1974, o pai militar é transferido para a capital Brasília e, em 1980, Elíbio conclui o curso de Engenharia Agronômica pela Universidade de Brasília (UnB). Foi uma professora da disciplina de Bioquímica, Celina, que lhe apresentou pela primeira vez uma estrutura de DNA, base de seu trabalho atual. “Lembro que falei ‘nossa, esse negócio é muito bacana’. Achei muito interessante a molécula de origem da estrutura da vida, e até hoje tento conhecê-la a fundo”, diz o pesquisador.
Mas ele nunca seria um agrônomo típico, desses que vão a campo auxiliar os produtores. Emendou a graduação com o mestrado em Fitopatologia, também pela UnB, e em 1989 obteve o título de doutor em Ciência da Vida pela Universidade de Nottingham, na Inglaterra. No pós-doutorado, na mesma universidade, iniciou a manipulação de cromossomos artificiais de levedura, pesquisa que faria parte do grande projeto Genoma Humano (1990-2003), um esforço internacional para mapear integralmente a origem da vida humana.
Principais pesquisas na Embrapa
Em 1981, começou a trabalhar na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília. Quem assinou sua contratação foi Eliseu Alves, um dos fundadores da Embrapa e ainda atuante na Empresa.
Criou e começou a liderar grupos de pesquisa que se tornaram referência nacional e internacional em expressão de proteínas heterólogas em vegetais e animais. Explicando melhor, o grupo de pesquisa de Elíbio fez surgir biomoléculas de valor farmacêutico e industrial em plantas, animais e microrganismos, que passaram a ter uma nova função: ser biofábricas.
Foi assim quando, em 2014, após nove anos de pesquisa, desenvolveu uma teia de aranha sintética dentro de uma planta de soja. Ou quando conseguiu produzir uma proteína responsável pela coagulação do sangue, chamada Fator IX, na mesma planta.
Em 2015, após 20 anos de estudo, lançou em parceria com a empresa alemã Basf o Sistema de Produção Cultivance, que combina uma soja transgênica com alto potencial produtivo a um herbicida de amplo espectro para o manejo de plantas daninhas. A tecnologia representa um marco para a ciência brasileira, pois foi a primeira planta transgênica desenvolvida integralmente no Brasil numa parceria público-privada e com aprovação nos principais países importadores.
Mais recentemente, em 2017, uma nova pesquisa que também utiliza a soja como biofábrica rendeu um prêmio internacional à Embrapa: o uso de sementes de soja geneticamente modificadas para produzir, em larga escala, a proteína cianovirina, eficiente contra o vírus da AIDS.
A ideia de usar plantas de soja como biofábrica saiu definitivamente da esfera puramente agronômica e passou a fazer parte das grandes pesquisas humanitárias na área de saúde.
“Os países africanos poderão receber, no futuro, um gel vaginal à base de cianovirina – proteína extraída das cianobactérias – e não precisarão pagar royalties por essa tecnologia”, destacou Elíbio Rech na ocasião em que recebeu o prêmio do Consórcio Federal de Laboratórios do Médio-Atlântico (FLC MAR).
Atuação em políticas públicas
As pesquisas desenvolvidas por Elíbio chamaram a atenção do governo brasileiro e levaram o pesquisador, que um dia se encantou pela molécula de DNA, a atuar opinando na elaboração de leis, em questões relativas à Lei de Biossegurança e a políticas públicas na área de C&T.
Entre as principais representações da qual faz parte estão a direção do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Biologia Sintética (INCT) dentro da Embrapa, a atuação como diretor na Academia Brasileira de Ciências (ABC) e, como membro, na Academia de Ciências dos Países em Desenvolvimento (TWAS, na sigla em inglês) e no Conselho do Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente (MMA). É ainda consultor das principais agências de fomento à pesquisa do País e de diferentes revistas científicas nacionais e internacionais.
Homenagem nos 45 anos da Embrapa
Em abril de 2018, na celebração dos 45 anos da Embrapa, foi escolhido pela direção da Empresa para ser o pesquisador homenageado.
Em seu discurso de agradecimento, afirmou: “A ciência, limito aqui a dois componentes: o constante esforço em aprofundar o conhecimento do saber individual e o empenho para entender como alcançar o amadurecimento filosófico de um País em desenvolvimento, na direção da unidade e do uso sistemático do conhecimento. Componentes que constituem a base para o progresso equalizado e o fundamento para exercer o meu trabalho como pesquisador”.
Bate-papo rápido
Um livro
- O mundo de Sofia – Jostein Gaarder (1991)
Filmes
- Blade Runner 2049 – Denis Villeneuve (2017)
- Django Livre – Quentin Tarantino (2012)
- Kill Bill – Quentin Tarantino (2004)
Uma personalidade admirada
- Werner Arber – Microbiologista e geneticista suíço, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina de 1978, por ter mostrado pela primeira vez como cortar a molécula de DNA. Elíbio é amigo de Werner, e ambos publicaram artigos juntos.
Um sonho
- Que todas as crianças que nascem no nosso planeta tenham acesso à educação, que é a forma de mudar o mundo.