Os sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) foram tema de Dia de Campo realizado em Ipameri (GO), no dia 6 de abril, e de Reunião Técnica em Caldas Novas (GO), no último dia 5. Promovidos pela recém-criada Associação Rede ILPF, da qual participa a Embrapa, os eventos buscaram difundir e estimular a adoção dos sistemas ILPF, apresentando oportunidades e inovações que trazem sustentabilidade econômica, ambiental e social à produção agropecuária.
A ILPF é uma estratégia de produção que integra diferentes sistemas produtivos agrícolas, pecuários e florestais numa mesma área. Pode ser executada em cultivo consorciado, em sucessão ou em rotação de culturas, de modo que haja benefício mútuo para todas as atividades. Entre as principais vantagens estão a otimização do uso da terra, com a elevação da produtividade, a geração de produtos de qualidade, a diversificação da produção e da renda, além da redução pela pressão sobre a abertura de novas áreas.
O Dia de Campo foi realizado na Fazenda Santa Brígida, que passou a adotar os sistemas de integração a partir de 2006 com o objetivo inicial de recuperar pastagens degradadas e tornar a fazenda viável economicamente. A propriedade é hoje uma das Unidades de Referência Tecnológica (URT) de ILPF e produz gado de corte, soja e milho, além de manter árvores de eucalipto.
Mais de 900 participantes, entre produtores rurais, técnicos e estudantes, percorreram três estações técnicas sobre os sistemas de integração adotados na fazenda, saúde do solo e viabilidade econômica da ILPF, e uma quarta estação opcional para tirar dúvidas com especialistas sobre os componentes do sistema (lavoura, pecuária e floresta) e estratégias de comercialização dos produtos.
A atividade contou com a presença do presidente da Embrapa, Maurício Lopes, do ex-ministro da Agricultura Alysson Paulinelli, do chefe geral da Embrapa Cerrados (Planaltina, DF), Cláudio Karia, do presidente da John Deere no Brasil, Paulo Herrmann, e do presidente do conselho de administração da Cocamar, Luiz Lourenço.
Produtividade na integração
Na primeira estação, o pesquisador Lourival Vilela, da Embrapa Cerrados, e o gerente operacional da Fazenda Santa Brígida, Alex Silva, apresentaram dados sobre o desempenho dos componentes lavoura e pecuária dos sistemas de integração adotados na propriedade. “A fazenda tem preocupação com a premissa da intensificação sustentável, ou seja, aumentar a produtividade por unidade de área sem comprometer os recursos naturais. Ela vem trabalhando com essa visão de futuro, com conservação de solo e água e com um sistema que permite trabalhar o ano todo na propriedade, assim como várias fazendas”, explicou.
Vilela pontuou que, com a adoção da ILP, a estação de monta em muitas fazendas tem mudado de época, passando a ser realizada em agosto “As vacas primíparas saem muito estressadas, mas têm forragem em quantidade e valor nutritivo na seca. Isso está acontecendo em várias regiões e tem melhorado bastante a taxa de natalidade das fazendas. A base da pecuária é a comida”, disse.
O pesquisador apresentou as principais rotações em uso na Fazenda Santa Brígida, que envolvem a soja na primeira safra de verão, milho, sorgo ou girassol consorciado com braquiária ou, ainda, braquiária com leguminosa na segunda safra de verão, e pastagem no inverno (estação seca).
Alex Silva mostrou os resultados das culturas nas últimas safras e da pecuária na fazenda. Na safra 2016/17, a produtividade da soja, plantada em 440 hectares, ficou em 74,3 sc/ha, com custo de R$ 1.800/ha; a do milho (sempre consorciado com B. brizantha cv. Marandu), plantado em 190 hectares, foi de 190 sc/ha ao custo de R$ 2.800/ha; e a do milho safrinha, cultivado em 437 hectares, foi de 95,6 sc/ha e o custo de R$ 1.800. Na safra 2017/18, foram plantados 630 hectares de soja, com produtividade média da soja em 70,5 sc/ha ao custo de R$ 1.900/ha. A propriedade mantém 300 animais em recria a pasto e 672 em terminação a pasto, além de terminar 1055 animais em confinamento por no máximo 60 dias, totalizando 2027 animais.
Vilela apontou uma área com alta disponibilidade de B. brizantha após o milho silagem ao lado da estação. “Imaginem quantas pequenas propriedades poderiam aproveitar isso. Essa é a ideia”, disse. Também mostrou o teste de girassol em safrinha consorciado com diferentes forrageiras, como os P. maximum BRS Zuri e Massai e a B. brizantha cv. Marandu e BRS Paiaguás.
O pesquisador falou sobre a evolução da Fazenda Santa Brígida, cujas pastagens eram degradas em 2006 e que hoje arrenda terras para ampliar a produção de grãos e carne. “Imaginem quantos empregos indiretos a fazenda está gerando e quantas famílias estão envolvidas. Tudo isso gira a economia e o agronegócio impulsiona o País. Estamos trabalhando para que as áreas de pasto degradado sejam incorporadas, utilizando a ILP no processo de recuperação”, concluiu.
Saúde do solo
Já na segunda estação, a pesquisadora Ieda Mendes, também da Embrapa Cerrados, abordou a saúde do solo e sua importância para a sustentabilidade agrícola, relacionando-a com os sistemas de integração. Ela salientou que a saúde do solo representa muito mais que grãos, carne e energia por hectare, estando também vinculada à qualidade ambiental, à produção sustentável e à promoção da saúde das pessoas, animais e plantas.
Mendes apresentou dados de um experimento sobre rotação de culturas implantado em 2008 pela Fundação Mato Grosso. As produtividades dos tratamentos de plantio direto com soja sucedida pelo pousio (61 sc/ha) e com soja rotacionada por braquiária (64 sc/ha) foram semelhantes até a safra 2013/14. Com a ocorrência de um forte veranico, houve uma diferença de 30 sacas/ha em favor do sistema soja/braquiária. Os dados de química e de física do solo das duas áreas eram semelhantes, mas a bioanálise do solo apontou alta qualidade biológica no tratamento com braquiária, que apresentou atividades significativamente maiores de duas enzimas microbianas. “O solo mais biologicamente ativo, numa situação de estresse, se mostrou muito mais resiliente, ou seja, foi muito mais produtivo. E isso sempre acontece”, disse.
A pesquisadora falou sobre um experimento de longa duração feito pela Embrapa Cerrados em que foi observado que a enzima microbiana sulfatase foi maior em sistemas de integração que nos tratamentos com plantio convencional e plantio direto, mesmo em diferentes regiões. “Na medida em que o sistema ILP é incorporado, o solo fica biologicamente mais ativo”, observou, acrescentando que o funcionamento biológico do solo varia conforme o manejo.
Em outro experimento citado, tratamentos com soja e milho com braquiária (ILP) e sem a forrageira, apesar de semelhantes quanto à química do solo, apontaram maior atividade enzimática microbiana no sistema ILP. Como resultado, a média da produtividade em soja em três safras consecutivas representou 9,5 sc/ha a mais no sistema com a braquiária.
Mendes destacou que o solo tem a capacidade de guardar a memória do manejo. “E quem guarda essa memória é a maquinaria biológica do solo, os microrganismos que vivem no solo”, explicou. Segundo a pesquisadora, a bioanálise do solo permite acessar a memória do solo e verificar se o manejo está melhorando ou piorando a qualidade do solo. “É como um exame de sangue, em que você mede colesterol, creatinina etc.”, comparou. Ela apontou que, da mesma forma, os bioindicadores de qualidade do solo dão suporte à tomada de decisão sobre o manejo.
A pesquisadora comentou que a estratégia baseada na bioatividade pode ser incrementada com tecnologias como a inoculação de braquiárias com a bactéria Azospirilum. “Quando a braquiária é inoculada com essa bactéria, ela não apenas cresce mais rápido, como também produz um pouco mais de matéria seca e uma biomassa mais rica em proteína”, disse, mostrando dados sobre os incrementos da B. brizantha e da B. ruziziensis inoculadas em biomassa de forragem (15%), teor de proteína (10%) e proteína na parte aérea (25%) em relação aos tratamentos com nitrogênio e não inoculado.
“É importante não esquecer que solo saudável é o solo biologicamente ativo, e o solo biologicamente ativo é mais produtivo”, afirmou Mendes. Ela lembrou, entretanto, que não existem soluções fáceis para a construção de um solo biologicamente ativo. “Temos que investir em sistemas de manejo que realmente melhorem a qualidade do solo”, indicou.
Segundo a pesquisadora, a agricultura no século XXI será reconhecida pela capacidade de prestar serviços ambientais. “Nesse sentido, a bioanálise do solo, que pode ser incorporada às análises comerciais de rotina do solo, vai ser importante porque permitirá diferenciar os solos saudáveis dos não saudáveis”, projetou, informando que a partir do segundo semestre de 2018 laboratórios comerciais serão capacitados para incluir as atividades enzimáticas da β-glicosidase e da sulfatase às análises de rotina de solo.
Os participantes do Dia de Campo puderam examinar uma trincheira demonstrativa do aprofundamento no solo do sistema radicular da B. brizantha cv. Marandu. “Chamo isso de ‘Rock in Rio’ dos microrganismos do solo do Cerrado. Acontece todo ano, nos meses de seca, onde há braquiária. Aqui os microrganismos fazem a festa e isso é o que importa”, disse a pesquisadora. “Quanto maior a atividade biológica do solo, mais matéria orgânica, mais ciclagem de nutrientes, melhor a estrutura do solo, melhor a capacidade de retenção de água e, dessa forma, maior a resistência às condições adversas que ocorrem invariavelmente na agricultura”, completou.
Após a apresentação, Maurício Lopes chamou a atenção para o surgimento de uma economia de base biológica, baixo impacto ambiental, baixa emissão de gases de efeito estufa e que respeita os recursos naturais – a bioeconomia. “O que a Ieda (Mendes) nos mostrou aqui é o Brasil e a agropecuária brasileira na bioeconomia. A próxima revolução econômica mundial será baseada em soluções de base biológica, sustentáveis e de baixo impacto. A fórmula está aí”, apontou.
Lopes vai participar, nos dias 19 e 20 de abril, da Cúpula Global de Bioeconomia, em Berlim (Alemanha), maior evento sobre o tema no mundo e que terá a participação de 70 países. “É exatamente isso que vamos mostrar lá. O País deu um passo muito sólido na direção desse novo paradigma econômico que está surgindo”, disse, parabenizando a pesquisadora. “Estou entusiasmadíssimo. Esse diferencial é a mensagem que o Brasil tem que levar para o mundo. Não conseguimos apenas fazer três safras, mas também tratar da saúde do solo”, completou Alysson Paulinelli.
Viabilidade econômica
Na terceira estação, o pesquisador Júlio Cesar dos Reis, da Embrapa Agrossilvipastoril (Sinop, MT), apresentou uma metodologia de análise da viabilidade econômico-financeira de sistemas ILPF que ele está desenvolvendo no curso de doutorado pela Universidade de Brasília e que integra o projeto de pesquisa “Padronização de Metodologias e Novas Abordagens para Avaliação Econômica de Sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta”. “A ideia é construir uma abordagem aplicável a qualquer configuração de sistema de integração, além de inserir a ILPF numa discussão de viabilidade para agências de fomento, por exemplo, e de permitir que os produtores tenham uma ferramenta para avaliar de forma concreta os resultados econômicos de sistemas como esse”, explicou.
Em Mato Grosso, a metodologia foi testada em nove experimentos com ILPF, e neste ano fazendas comerciais também passaram a ser acompanhadas, como a Fazenda Platina, na região Médio-Norte do Estado. Reis apresentou resultados econômicos do sistema de ILP adotado na propriedade, comparando-os com o desempenho de uma fazenda representativa da região, no caso, uma propriedade que produz 1.500 hectares de soja e 900 hectares de milho.
A Fazenda Platina, originalmente de pecuária, começou a realizar ILP em 2005, tendo, em 2017, 2.678 hectares nesse sistema. A produtividade atual de boi gordo é de 18,38@/ha, enquanto a de soja é de 64,17 sc/ha, desempenhos superiores aos da fazenda representativa e às médias do Estado. O resultado operacional líquido (não inclui diversas despesas) da ILP refletiu claramente os benefícios do sistema. Em 2017, ficou em R$ 2.326,42/ha, 48% maior que o da fazenda representativa e 978% superior ao de 2005, ano zero de adoção da ILP na propriedade.
Reis apresentou um gráfico representativo das principais atividades dos três componentes da ILPF em um experimento em Sinop, mostrando a sobreposição de atividades no mesmo período do ano. “Os sistemas ILPF respondem do ponto de vista econômico, mas o trabalho não é simples. Se o produtor não estiver preparado, pode ter problemas. Portanto, o planejamento é decisivo”, explicou.
Ao final da apresentação, o pesquisador mostrou um mapa com os resultados econômico-financeiros já refinados de cinco experimentos com diferentes arranjos de ILPF no Mato Grosso analisados com a metodologia. “Esses são os resultados do que entra de fato no bolso do produtor depois que ele pagou tudo, inclusive o imposto de renda. Isso é uma grande novidade, do ponto de vista de métrica, que estamos propondo. São valores finalísticos”, afirmou, observando que os números comprovam que os sistemas ILPF são competitivos e lucrativos, inclusive em regiões especializadas em lavoura, como é o caso da Fazenda Platina.
Após as três estações técnicas, os participantes interessados se dirigiram à estação tira-dúvidas, onde puderam conversar com especialistas sobre os sistemas ILP e ILPF, bem como sobre resultados econômicos e estratégias de comercialização. Participaram da estação os pesquisadores João Kluthcouski (Embrapa Cerrados), Abílio Pacheco (Secretaria de Inovação e Negócios da Embrapa) e Bruno Pedreira (Embrapa Agrossilvipastoril); os consultores da Fazenda Santa Brígida Roberto Freitas, Vanderlei Oliveira e Gustavo Bezerra; e o diretor-executivo da Associação Rede ILPF, William Marchió.
Reunião Técnica
Realizada no auditório do Ecologic Ville Resort & Spa, em Caldas Novas, a reunião técnica sobre ILPF trouxe uma visão sobre o contexto e os desafios da agricultura brasileira, bem como da atuação da nova Associação Rede ILPF. Em seguida, foram apresentadas diferentes experiências de produtores com sistemas de integração, com debate com o público participante. Durante o encontro, também foi apresentado aos participantes o aplicativo para smartphone Realidade Aumentada ILPF, desenvolvido pela Embrapa e parceiros da associação para mostrar as transformações dos sistemas de integração em um solo degradado.
O encontro contou com 110 participantes, entre técnicos, produtores rurais, pesquisadores, professores, estudantes, além de representantes das instituições que formam a Associação Rede ILPF, como o chefe geral e o chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Cerrados, Cláudio Karia e Marcelo Ayres; o presidente da John Deere no Brasil, Paulo Herrmann; o presidente do conselho administrativo da Cocamar, Luiz Lourenço; Ana Carneiro, gerente de relações institucionais da Syngenta; Rui Rosa, superintendente executivo do Bradesco; e Lessandro Cavalli, coordenador comercial nacional da Sementes Oeste Paulista (Soesp). Também estiveram presentes o ex-ministro da Agricultura, Alysson Paulinelli, o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio, Francisco Maturro, e o vice-presidente de produtos de varejo da Caixa Econômica Federal, Fábio Lenza.
Na palestra de abertura, o chefe da Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas (SIRE) da Embrapa e presidente do conselho gestor da Associação Rede ILPF, Renato Rodrigues, abordou os desafios do agronegócio brasileiro e as inovações tecnológicas sustentáveis. Ele destacou que, apesar das dificuldades ambientais e da necessidade de produzir preservando a biodiversidade, entre outros desafios, o Brasil conta atualmente com uma agricultura tropical avançada, baseada em ciência, tendo transformado solos pobres e ácidos em terras férteis; tropicalizado culturas, animais e sistemas de produção; e desenvolvido uma plataforma de práticas sustentáveis. “A inovação no setor agropecuário está no dia a dia das propriedades e da pesquisa. Ela é uma realidade”, afirmou.
Como resultado, o País alcançou a soberania alimentar em tempo recorde e a agricultura se tornou pouco dependente de subsídios. Com a adoção de tecnologias poupa-terra, muitas delas desenvolvidas pela Embrapa e parceiros nos últimos 40 anos, os incrementos em produtividade e produção de grãos foram mais de 10 vezes superiores ao aumento da área utilizada para a agricultura.
Rodrigues comentou sobre os baixos níveis de emissão de gases de efeito estufa da agricultura brasileira, apresentando estimativas do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações e destacando o esforço do País em reduzir voluntariamente as emissões no setor, ao mesmo tempo em que a produção aumentou ao longo do tempo. “É sinal de que nossa agricultura está ficando mais eficiente. Isso é resultado de tecnologias como a ILPF e do esforço de pesquisadores e produtores”, disse.
Sobre o uso da terra no Brasil, ele mostrou dados apontando que apenas 8% do território são ocupados por lavouras e florestas plantadas, enquanto 19,7% são ocupados por pastagens. As áreas com vegetação nativa preservada em propriedades rurais representam 11%, enquanto as áreas do Sistema nacional de Unidades de Conservação somam 17%. “Produtores rurais preservam praticamente a mesma quantidade de área que os governos federal, estaduais e municipais. A agricultura no Brasil já é sustentável. Ainda podemos melhorar e estamos melhorando. E a ILPF é o melhor exemplo disso”, comentou.
O chefe da SIRE defendeu que os futuros desafios devem ser encarados como oportunidades. Ele mostrou gráficos sobre o crescimento da população, da urbanização e da variação anual do produto interno bruto mundial. Segundo as projeções, em 2050 haverá 3 bilhões de pessoas tendo que produzir alimentos para 9 bilhões de pessoas. “Para cada desafio há um pacote imenso de oportunidades. Depende da nossa criatividade e do nosso trabalho”, apontou.
Ele lembrou que o futuro da agricultura não está associado apenas à produção de alimentos e energia, mas a um novo paradigma envolvendo questões como água, meio ambiente, combate à pobreza e saúde. “Não dá mais para pensar no setor agrícola desconectado dos outros setores. Tudo isso é fundamental para buscarmos o desenvolvimento de um novo paradigma para a agricultura”, explicou, lembrando que a agricultura está presente em quase todos os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pelas Nações Unidas. “Vamos trazer isso cada vez mais para dentro da Associação Rede ILPF. Já estamos alinhando nossa pesquisa aos ODS”, informou.
Ao estabelecer uma linha do tempo da produção agropecuária – da teoria de Thomas Maltus sobre oferta e demanda de alimentos, em 1798, até 2050 –, Rodrigues apontou que o setor se encontra numa fase de intensificação sustentável da produção, com imensa preocupação com o meio ambiente e as mudanças climáticas. “Nosso desafio das próximas décadas é como alimentar mais de 10 bilhões de pessoas e preservar o meio ambiente. Uma das soluções é a tecnologia da ILPF”, finalizou.
Desafios da Rede ILPF
O presidente da John Deere no Brasil, Paulo Herrmann, discorreu sobre a transformação da Rede de Fomento à ILPF em Associação Rede ILPF e os novos desafios para instituições integrantes da parceria público-privada entre Embrapa, John Deere, Cocamar, Syngenta, Soesp e Bradesco.
Herrmann relembrou a história de adoção da tecnologia ILPF pela Fazenda Santa Brígida em 2006 e a evolução do sistema na propriedade, que diversificou a produção e hoje arrenda outras áreas. “É um exemplo, do ponto de vista econômico e ecológico, de que a tecnologia funciona. Mas para que isso ocorra, é preciso haver uma instituição forte”, disse, homenageando o ex-ministro da Agricultura, Alysson Paulinelli, por ter sido um dos responsáveis pela criação da Embrapa.
“Estamos vivendo um grande momento de ruptura e a ILPF é a ponte que nos leva de uma agricultura extrativista, de clima temperado, para uma agricultura tropical, que é a nossa vocação, o nosso futuro e onde vamos nos destacar”, afirmou Herrmann, lembrando que um levantamento realizado em 2016 indicou a adoção de diferentes sistemas de integração em 11,5 milhões de hectares de terras no Brasil.
Considerada uma nova etapa da reunião das instituições que compunham a antiga rede de fomento, a Associação Rede ILPF foi criada sobre dois pilares, segundo o presidente da John Deere. “O primeiro é a fabricação de gente, de profissionais qualificados para administrar a complexidade que o trópico nos trouxe, com ILPF e agora também com energia e água. Isso não tem fim e não podemos transferir somente para os produtores a responsabilidade da gestão da complexidade”, disse, acrescentando a necessidade de revisão das grades curriculares nas escolas agrárias e da criação de um novo modelo de extensão rural para cumprirem esses objetivos.
O outro pilar, segundo Herrmann, é a transformação da produção com responsabilidade ambiental em dinheiro. “Muita gente pensa que agregação de valor na agricultura é apenas industrializar, moer soja. Penso que vai muito além: é agregar à produção o valor de um serviço ambiental e fazer que a sociedade, que é tão crítica do que os agricultores fazem, pague por isso”, afirmou, defendendo a necessidade de certificação das propriedades e de uma marca para a agricultura brasileira.
Experiências com sistemas ILPF
Em seguida, foi realizada a mesa redonda “Inovando e Lucrando com o ILPF”, moderada pelo diretor-executivo da Associação Rede ILPF, William Marchió, que trouxe os relatos dos produtores rurais Mateus Arantes, da Fazenda São Matheus, em Selvíria (MS); Marco Túlio Paolinelli, da Agronelli Pecuária, de Uberaba (MG); José Leandro Peres, da JP Agropecuária, de Nova Guarita (MT); Arno e Carlos Eduardo Schneider, da Estância Anna Sophia, em Cuiabá (MT); e Filippo Leta, da Agropecuária Fleta, do Rio de Janeiro (RJ). “São produtores de 12 hectares a mais de 8 mil hectares utilizando a ILP e a ILPF”, observou Marchió.
Mateus Arantes falou sobre o Sistema São Matheus, modalidade de ILP desenvolvida na propriedade em parceria com a Embrapa e com base em práticas dos produtores Ake van der Vinne e Krijn Wielemaker, que plantavam soja em braquiária para recuperar pastos em Maracaju (MS). O sistema recupera pastagens degradadas por meio da melhoria da qualidade do solo e do plantio de soja em sucessão ao pasto.
A Fazenda São Matheus está focada na produção de carne e grãos de qualidade. Arantes explicou que o principal fator da integração na propriedade é o solo. “Lá, somos especialistas em recuperar solo, que é a base do sistema. Sem solo bom, não tem produção boa e barata. O que importa é o quanto vai nos sobrar, e para sobrar muito o solo tem que ser bom”, disse, acrescentando que além da integração, a propriedade desenvolve o que chama de “Neloreio a Pasto”, programa de melhoramento genético para incremento da qualidade e do rendimento da carne Nelore produzida a pasto.
Um dos principais desafios da produção na fazenda é a deficiência hídrica por que passa a região de Três Lagoas durante seis meses ao longo do ano. Com a adoção da ILP e ajustes no sistema a partir de 2007, houve maior regularidade na produção de grãos. O produtor apresentou dados sobre os lucros do Sistema São Matheus na fazenda para o ano de 2017. A soja (840 hectares) deve fechar a safra com lucro operacional de R$ 1.935,95/ha, a engorda (200 hectares) em R$ 1.332,45/ha e a cria (375 hectares) em R$ 1.082,90/ha. Na previsão para 2018, o lucro com a engorda deve saltar para R$ 1.907,10/ha (e para R$2.596,10 em 2019) devido à intensificação das passagens e a melhoria do desempenho animal; e a cria para R$ 1.299,48/ha e para R$ 1.624,35 em 2019. Já o lucro com a soja deve chegar a R$ 2.189,25/ha em 2018 e a R$ 2.485,80/ha em 2019.
“A coisa mais importante na integração são as pessoas. E pessoas fazendo o que gostam, no lugar certo. Não é um sistema fácil de ser executado e todo mundo precisa saber exatamente o que tem que fazer. Com isso, você consegue saber em que setor é preciso melhorar”, ensinou.
Produção florestal
Marco Túlio Paolinelli apresentou um vídeo sobre a experiência da fazenda Agronelli com sustentabilidade ambiental a partir da adoção de práticas de conservação do solo, recomposição da mata ciliar, conservação e preservação de nascentes e recuperação de áreas degradadas, que integram o “Projeto Produtor de Água”.
O produtor e empresário abordou também a possibilidade de agregação de valor à produção florestal dos sistemas de integração com fabricação de móveis com madeira de eucalipto seca em estufa, o que garante maior precisão na serragem das toras, menor tempo de processamento e maior vida útil da madeira. “O segredo do eucalipto é a secagem. Temos uma estufa moderna, com oito sensores que indicam o teor de umidade, permitindo o melhor controle da secagem”, explicou, apresentando em seguida fotos de diversos móveis de eucalipto.
Já os produtores Arno e Carlos Eduardo Schneider falaram sobre a experiência da Estância Anna Sophia com a produção de árvores de teca integradas à pastagem. A fazenda tem cerca de 1.900 hectares de pastagens, 100 hectares de teca em sistema adensado e 100 hectares da espécie arbórea em sistema silvipastoril. A teca é nativa do Sudeste asiático, tem madeira nobre e compete com o mogno em preço no mercado internacional.
Em 2000, os produtores resolveram diversificar a produção para não ficarem dependentes da produção de carne, até então o único negócio da fazenda. “Pensou-se em diversas espécies e chegamos à teca. Mas não havia nada escrito, tínhamos que ‘tocar de ouvido’ essa integração com a pecuária, sem saber o que ia acontecer”, lembrou Arno. Após algumas experiências, chegou-se à distribuição das árvores com o espaçamento de 20 m a 25 m entre as linhas e entre 4 m e 5 m dentro da linha, com direcionamento norte-sul para garantir a insolação mais uniforme durante todo o dia.
“O conceito principal do sistema silvipastoril, para mim, é a adição de renda. Tenho que plantar a árvore de modo que não prejudique a pecuária no meu sistema, senão haverá uma substituição de renda”, afirmou, acrescentando que devem ser plantadas no máximo 80 a 100 plantas/ha. “Não posso ser ‘fominha’ nesse sistema. Tenho que pensar no pasto e plantar”, completou.
Segundo o produtor, a maturação econômica da teca no sistema está entre o 15º e o 20º ano do plantio. A distribuição espacial das árvores depende da altura do fuste, da densidade da copa, da espécie e da fertilidade do solo. No sistema dos Schneider, uma tora, após 25 anos, poderia valer entre R$ 800 e R$ 900, o que representaria cerca de R$ 75 mil de renda total ou pelo menos R$ 2 mil/ha no final do período. “É um planejamento de médio a longo prazo e nem todos podem fazer isso. Mas o retorno é interessante”, garantiu.
Carlos Eduardo, filho de Arno, falou sobre o rendimento e o mercado da teca. Principal produtor, o Mato Grosso exporta a maior parte da produção para a India. O produtor fez um inventário de 23 hectares, área onde foi realizado um desbaste comercial no ano passado. Ele contou que, na média, todo o dinheiro investido em 18 anos foi recuperado. “O que ficou nessa área inventariada, de agora em diante, vai ser o que vamos ganhar com o sistema de integração. Nas minhas contas, nesse inventário, temos um estoque de cerca de R$ 400 mil em madeira, ou em torno de R$ 1 mil/ha/ano nos primeiros 17 anos. Como a teca fica mais grossa com o tempo, há um valor agregado, e acreditamos que os números alcancem o que meu pai disse”, projetou.
“Quando começamos a plantar (teca), todo mundo questionava para quem venderíamos, já que não existia mercado no Mato Grosso. No ano passado, debutamos na venda, e foi, dentro da média, uma boa comercialização. Vamos vender novamente este ano, e com muito mais experiência. Certamente, teremos mais sucesso e mais renda para a propriedade”, apostou.
ILP potencializa pecuária
O produtor José Leandro Peres mostrou a experiência com a Fazenda Pontal, propriedade de 8.554 hectares, sendo 54% em floresta nativa. Focada na pecuária de cria, a afazenda buscou na agricultura uma forma de reformar as pastagens e produzir grãos a partir de 2004. No momento, 900 hectares (ou 70% da área agrícola) da fazenda são usados pela ILP.
Peres falou sobre o Sistema Pontal, composto por práticas de gestão da pastagem (GP) que buscam alta produtividade, manejo, tomadas de decisões sobre adubação, reforma ou plantio de soja e a preparação para a estação seca; ILP com foco na atividade pecuária; e estação de monta invertida (EMI).
No sistema, a ILP (sucessão soja-forrageira) busca suprir a demanda alimentar do rebanho nos períodos em que os pastos permanentes apresentam baixa oferta de forragem. “Entre março e julho, a forragem começa a perder qualidade, e aí entra a ILP. Assim, durante 10 meses por ano, temos uma qualidade de pasto superior para conseguirmos manter a taxa de lotação dos animais”, explicou. A produção estimada de soja fica em torno de 3.840 kg/ha. “A agricultura nos trouxe a tecnificação, que estamos unindo a uma pecuária tecnificada. Temos dias para começar e para terminar o plantio pós-soja”, completou.
Na área com integração, a taxa de lotação na seca é de 2,7 UA/ha a 3 UA/ha, com ganhos de peso médios individuais diários de 0,7 kg a 1 kg, dependendo da categoria do animal. Segundo o produtor, a ILP viabiliza a EMI, realizada entre junho e setembro e que entre outras vantagens permite a entrada dos animais em estação de monta com melhor condição corporal, o desmame e abate dos bezerros no mesmo ano, além de facilitar a comercialização de bezerros no período das águas.
O rebanho da fazenda gira em torno de 7 mil cabeças de gado em 2.700 hectares, sendo 2.430 na área com ILP. Na cria, são produzidas quase 11@/ha/ano, mais 9@/ha/ano na área com integração. O faturamento com vacas de descarte, venda de bezerros, confinamento, bezerras para aumento de plantel e soja na safra 2017/18 foi estimado em R$ 2.573,81/ha na área produtiva.
Diversificação na pequena propriedade
O produtor Fillipo Leta falou sobre o sítio herdado do avô e que administra com o pai na capital fluminense. Em 12 hectares, coqueiros são integrados a bovinos, caprinos, suínos e aves, além de forrageiras. Em outra propriedade, de 50 hectares, é explorado o eucalipto solteiro, cuja produção é vendida como lenha. “A herança mais importante que recebemos do meu avô foi a questão do aproveitamento do espaço. E a gente vem buscando profissionalizar o negócio”, lembrou.
A fazenda comercializa principalmente água de coco (da propriedade e adquirido de outras propriedades, sendo envasada no próprio sítio), lenha e leite de cabra, além de leite de vaca, ovo caipira e suínos. O produtor destacou a proximidade do sítio ao mercado consumidor e a boa relação com os pontos de venda. “Conseguimos escoar todos os nossos produtos com certo valor agregado”, apontou. O faturamento geral das vendas, incluindo o envasamento da água de coco e os cocos adquiridos externamente, é de cerca de R$ 170 mil mensais, enquanto o faturamento médio mensal com o que é produzido dentro do sítio é de R$ 32 mil.
Depois que assumiram o negócio, ele e o pai visaram ao aumento da eficiência produtiva, tratando a propriedade como empresa. Para isso, buscaram diversificar as formas de renda, agregar valor aos produtos e valorizar a equipe dentro de um sistema complexo – a própria natureza. “Sempre assumimos que nossas decisões podem estar erradas. Por isso, o planejamento se tornou planejar-monitorar-controlar-replanejar. E tudo isso de modo a ser regenerativo para o meio ambiente, a dar qualidade de vida para as pessoas envolvidas e a ser economicamente viável”, explicou, justificando a adoção do sistema agrossilvipastoril.
Para o produtor, o sistema é visto como uma mímica da natureza e deve ser planejado integralmente. Ele citou a adoção de medidas de manejo dos animais, como o uso de cerca eletroplástica, o planejamento da movimentação do gado e o plano de pastoreio, além da agregação de matéria orgânica ao pasto. “O mais interessante de tudo é ver como o nosso solo vem melhorando ao longo do tempo. Isso mostra que o pastoreio é uma ferramenta incrível para recuperação de solo quando bem feito”, comentou.
Leta e o pai criaram a marca “Ah Pashto” para o leite de cabra, neutro em metano entérico e certificado por um projeto chamado “Pecuária Neutra”, e para a lenha, que tem certificação de origem sustentável. Segundo o produtor, o plantio de seis hectares de eucalipto no sítio é capaz de neutralizar as emissões de gás metano de 238 cabras. O produtor explicou que o projeto tem como objetivo promover a pecuária regenerativa, que além de prestar serviços ambientais remunera o produtor. “Já passamos do ponto em que preservar a natureza está de um lado e produzir está de outro. As duas coisas já caminham de mãos dadas, e muito bem”, observou.
Ele citou as diferentes integrações realizadas no sítio, como a roçagem e adubação de um bananal realizada por cabras; coqueiros (frutos), acácias (lenha) e a gramínea tifton (feno) na mesma área por até quatro anos; os suínos que preparam naturalmente o solo para o plantio da pastagem; o plantio de nabo forrageiro para descompactação do solo antes do plantio do pasto; e o uso de resíduos de alimentos para alimentação de galinhas poedeiras.
O produtor salientou a necessidade de aumentar a capacidade dos sumidouros de gases de efeito estufa, como os solos os oceanos e as plantas. “Com os sistemas de integração, temos o potencial de poder equilibrar a nossa atmosfera e ao mesmo tempo produzir comida para a população”, afirmou, lembrando que os consumidores cada vez mais querem saber sobre a origem dos alimentos e como são produzidos. “Nosso sonho é que a pecuária convencional seja essa (integrada), que daqui a alguns anos a gente fale sobre algo que hoje nem imaginamos”, concluiu.
Novos membros
Com a criação da Associação Rede ILPF, o banco Bradesco e a empresa de sementes Soesp se juntaram às instituições que formavam a Rede de Fomento à ILPF – Embrapa, John Deere, Cocamar e Syngenta. Rui Rosa afirmou que o Bradesco é o banco privado que mais opera no agronegócio brasileiro, com uma carteira de R$ 23 bilhões, de acordo com dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). “Mas a gente acha que é pouco. Temos muito interesse no agronegócio. Entendemos que esta fase da ILPF vem agregar muito para nós, tanto nas estratégias de crescimento do banco como em novas oportunidades. O mercado vai mudar e precisaremos de novas fontes de recursos”, disse.
Lessandro Cavalli lembrou que a Soesp já trabalha há 10 anos com ILPF. “Somos apaixonados por ILPF. Ficávamos na plateia olhando essa rede crescer. Hoje, estamos dentro da Associação Rede ILPF para crescermos juntos, colher os frutos e disseminá-los para onde formos”, declarou.
Os sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) foram tema de Dia de Campo realizado em Ipameri (GO), no dia 6 de abril, e de Reunião Técnica em Caldas Novas (GO), no último dia 5. Promovidos pela recém-criada Associação Rede ILPF, da qual participa a Embrapa, os eventos buscaram difundir e estimular a adoção dos sistemas ILPF, apresentando oportunidades e inovações que trazem sustentabilidade econômica, ambiental e social à produção agropecuária.
A ILPF é uma estratégia de produção que integra diferentes sistemas produtivos agrícolas, pecuários e florestais numa mesma área. Pode ser executada em cultivo consorciado, em sucessão ou em rotação de culturas, de modo que haja benefício mútuo para todas as atividades. Entre as principais vantagens estão a otimização do uso da terra, com a elevação da produtividade, a geração de produtos de qualidade, a diversificação da produção e da renda, além da redução pela pressão sobre a abertura de novas áreas.
O Dia de Campo foi realizado na Fazenda Santa Brígida, que passou a adotar os sistemas de integração a partir de 2006 com o objetivo inicial de recuperar pastagens degradadas e tornar a fazenda viável economicamente. A propriedade é hoje uma das Unidades de Referência Tecnológica (URT) de ILPF e produz gado de corte, soja e milho, além de manter árvores de eucalipto.
Mais de 900 participantes, entre produtores rurais, técnicos e estudantes, percorreram três estações técnicas sobre os sistemas de integração adotados na fazenda, saúde do solo e viabilidade econômica da ILPF, e uma quarta estação opcional para tirar dúvidas com especialistas sobre os componentes do sistema (lavoura, pecuária e floresta) e estratégias de comercialização dos produtos.
A atividade contou com a presença do presidente da Embrapa, Maurício Lopes, do ex-ministro da Agricultura Alysson Paulinelli, do chefe geral da Embrapa Cerrados (Planaltina, DF), Cláudio Karia, do presidente da John Deere no Brasil, Paulo Herrmann, e do presidente do conselho de administração da Cocamar, Luiz Lourenço.
Produtividade na integração
Na primeira estação, o pesquisador Lourival Vilela, da Embrapa Cerrados, e o gerente operacional da Fazenda Santa Brígida, Alex Silva, apresentaram dados sobre o desempenho dos componentes lavoura e pecuária dos sistemas de integração adotados na propriedade. “A fazenda tem preocupação com a premissa da intensificação sustentável, ou seja, aumentar a produtividade por unidade de área sem comprometer os recursos naturais. Ela vem trabalhando com essa visão de futuro, com conservação de solo e água e com um sistema que permite trabalhar o ano todo na propriedade, assim como várias fazendas”, explicou.
Vilela pontuou que, com a adoção da ILP, a estação de monta em muitas fazendas tem mudado de época, passando a ser realizada em agosto “As vacas primíparas saem muito estressadas, mas têm forragem em quantidade e valor nutritivo na seca. Isso está acontecendo em várias regiões e tem melhorado bastante a taxa de natalidade das fazendas. A base da pecuária é a comida”, disse.
O pesquisador apresentou as principais rotações em uso na Fazenda Santa Brígida, que envolvem a soja na primeira safra de verão, milho, sorgo ou girassol consorciado com braquiária ou, ainda, braquiária com leguminosa na segunda safra de verão, e pastagem no inverno (estação seca).
Alex Silva mostrou os resultados das culturas nas últimas safras e da pecuária na fazenda. Na safra 2016/17, a produtividade da soja, plantada em 440 hectares, ficou em 74,3 sc/ha, com custo de R$ 1.800/ha; a do milho (sempre consorciado com B. brizantha cv. Marandu), plantado em 190 hectares, foi de 190 sc/ha ao custo de R$ 2.800/ha; e a do milho safrinha, cultivado em 437 hectares, foi de 95,6 sc/ha e o custo de R$ 1.800. Na safra 2017/18, foram plantados 630 hectares de soja, com produtividade média da soja em 70,5 sc/ha ao custo de R$ 1.900/ha. A propriedade mantém 300 animais em recria a pasto e 672 em terminação a pasto, além de terminar 1055 animais em confinamento por no máximo 60 dias, totalizando 2027 animais.
Vilela apontou uma área com alta disponibilidade de B. brizantha após o milho silagem ao lado da estação. “Imaginem quantas pequenas propriedades poderiam aproveitar isso. Essa é a ideia”, disse. Também mostrou o teste de girassol em safrinha consorciado com diferentes forrageiras, como os P. maximum BRS Zuri e Massai e a B. brizantha cv. Marandu e BRS Paiaguás.
O pesquisador falou sobre a evolução da Fazenda Santa Brígida, cujas pastagens eram degradas em 2006 e que hoje arrenda terras para ampliar a produção de grãos e carne. “Imaginem quantos empregos indiretos a fazenda está gerando e quantas famílias estão envolvidas. Tudo isso gira a economia e o agronegócio impulsiona o País. Estamos trabalhando para que as áreas de pasto degradado sejam incorporadas, utilizando a ILP no processo de recuperação”, concluiu.
Saúde do solo
Já na segunda estação, a pesquisadora Ieda Mendes, também da Embrapa Cerrados, abordou a saúde do solo e sua importância para a sustentabilidade agrícola, relacionando-a com os sistemas de integração. Ela salientou que a saúde do solo representa muito mais que grãos, carne e energia por hectare, estando também vinculada à qualidade ambiental, à produção sustentável e à promoção da saúde das pessoas, animais e plantas.
Mendes apresentou dados de um experimento sobre rotação de culturas implantado em 2008 pela Fundação Mato Grosso. As produtividades dos tratamentos de plantio direto com soja sucedida pelo pousio (61 sc/ha) e com soja rotacionada por braquiária (64 sc/ha) foram semelhantes até a safra 2013/14. Com a ocorrência de um forte veranico, houve uma diferença de 30 sacas/ha em favor do sistema soja/braquiária. Os dados de química e de física do solo das duas áreas eram semelhantes, mas a bioanálise do solo apontou alta qualidade biológica no tratamento com braquiária, que apresentou atividades significativamente maiores de duas enzimas microbianas. “O solo mais biologicamente ativo, numa situação de estresse, se mostrou muito mais resiliente, ou seja, foi muito mais produtivo. E isso sempre acontece”, disse.
A pesquisadora falou sobre um experimento de longa duração feito pela Embrapa Cerrados em que foi observado que a enzima microbiana sulfatase foi maior em sistemas de integração que nos tratamentos com plantio convencional e plantio direto, mesmo em diferentes regiões. “Na medida em que o sistema ILP é incorporado, o solo fica biologicamente mais ativo”, observou, acrescentando que o funcionamento biológico do solo varia conforme o manejo.
Em outro experimento citado, tratamentos com soja e milho com braquiária (ILP) e sem a forrageira, apesar de semelhantes quanto à química do solo, apontaram maior atividade enzimática microbiana no sistema ILP. Como resultado, a média da produtividade em soja em três safras consecutivas representou 9,5 sc/ha a mais no sistema com a braquiária.
Mendes destacou que o solo tem a capacidade de guardar a memória do manejo. “E quem guarda essa memória é a maquinaria biológica do solo, os microrganismos que vivem no solo”, explicou. Segundo a pesquisadora, a bioanálise do solo permite acessar a memória do solo e verificar se o manejo está melhorando ou piorando a qualidade do solo. “É como um exame de sangue, em que você mede colesterol, creatinina etc.”, comparou. Ela apontou que, da mesma forma, os bioindicadores de qualidade do solo dão suporte à tomada de decisão sobre o manejo.
A pesquisadora comentou que a estratégia baseada na bioatividade pode ser incrementada com tecnologias como a inoculação de braquiárias com a bactéria Azospirilum. “Quando a braquiária é inoculada com essa bactéria, ela não apenas cresce mais rápido, como também produz um pouco mais de matéria seca e uma biomassa mais rica em proteína”, disse, mostrando dados sobre os incrementos da B. brizantha e da B. ruziziensis inoculadas em biomassa de forragem (15%), teor de proteína (10%) e proteína na parte aérea (25%) em relação aos tratamentos com nitrogênio e não inoculado.
“É importante não esquecer que solo saudável é o solo biologicamente ativo, e o solo biologicamente ativo é mais produtivo”, afirmou Mendes. Ela lembrou, entretanto, que não existem soluções fáceis para a construção de um solo biologicamente ativo. “Temos que investir em sistemas de manejo que realmente melhorem a qualidade do solo”, indicou.
Segundo a pesquisadora, a agricultura no século XXI será reconhecida pela capacidade de prestar serviços ambientais. “Nesse sentido, a bioanálise do solo, que pode ser incorporada às análises comerciais de rotina do solo, vai ser importante porque permitirá diferenciar os solos saudáveis dos não saudáveis”, projetou, informando que a partir do segundo semestre de 2018 laboratórios comerciais serão capacitados para incluir as atividades enzimáticas da β-glicosidase e da sulfatase às análises de rotina de solo.
Os participantes do Dia de Campo puderam examinar uma trincheira demonstrativa do aprofundamento no solo do sistema radicular da B. brizantha cv. Marandu. “Chamo isso de ‘Rock in Rio’ dos microrganismos do solo do Cerrado. Acontece todo ano, nos meses de seca, onde há braquiária. Aqui os microrganismos fazem a festa e isso é o que importa”, disse a pesquisadora. “Quanto maior a atividade biológica do solo, mais matéria orgânica, mais ciclagem de nutrientes, melhor a estrutura do solo, melhor a capacidade de retenção de água e, dessa forma, maior a resistência às condições adversas que ocorrem invariavelmente na agricultura”, completou.
Após a apresentação, Maurício Lopes chamou a atenção para o surgimento de uma economia de base biológica, baixo impacto ambiental, baixa emissão de gases de efeito estufa e que respeita os recursos naturais – a bioeconomia. “O que a Ieda (Mendes) nos mostrou aqui é o Brasil e a agropecuária brasileira na bioeconomia. A próxima revolução econômica mundial será baseada em soluções de base biológica, sustentáveis e de baixo impacto. A fórmula está aí”, apontou.
Lopes vai participar, nos dias 19 e 20 de abril, da Cúpula Global de Bioeconomia, em Berlim (Alemanha), maior evento sobre o tema no mundo e que terá a participação de 70 países. “É exatamente isso que vamos mostrar lá. O País deu um passo muito sólido na direção desse novo paradigma econômico que está surgindo”, disse, parabenizando a pesquisadora. “Estou entusiasmadíssimo. Esse diferencial é a mensagem que o Brasil tem que levar para o mundo. Não conseguimos apenas fazer três safras, mas também tratar da saúde do solo”, completou Alysson Paulinelli.
Viabilidade econômica
Na terceira estação, o pesquisador Júlio Cesar dos Reis, da Embrapa Agrossilvipastoril (Sinop, MT), apresentou uma metodologia de análise da viabilidade econômico-financeira de sistemas ILPF que ele está desenvolvendo no curso de doutorado pela Universidade de Brasília e que integra o projeto de pesquisa “Padronização de Metodologias e Novas Abordagens para Avaliação Econômica de Sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta”. “A ideia é construir uma abordagem aplicável a qualquer configuração de sistema de integração, além de inserir a ILPF numa discussão de viabilidade para agências de fomento, por exemplo, e de permitir que os produtores tenham uma ferramenta para avaliar de forma concreta os resultados econômicos de sistemas como esse”, explicou.
Em Mato Grosso, a metodologia foi testada em nove experimentos com ILPF, e neste ano fazendas comerciais também passaram a ser acompanhadas, como a Fazenda Platina, na região Médio-Norte do Estado. Reis apresentou resultados econômicos do sistema de ILP adotado na propriedade, comparando-os com o desempenho de uma fazenda representativa da região, no caso, uma propriedade que produz 1.500 hectares de soja e 900 hectares de milho.
A Fazenda Platina, originalmente de pecuária, começou a realizar ILP em 2005, tendo, em 2017, 2.678 hectares nesse sistema. A produtividade atual de boi gordo é de 18,38@/ha, enquanto a de soja é de 64,17 sc/ha, desempenhos superiores aos da fazenda representativa e às médias do Estado. O resultado operacional líquido (não inclui diversas despesas) da ILP refletiu claramente os benefícios do sistema. Em 2017, ficou em R$ 2.326,42/ha, 48% maior que o da fazenda representativa e 978% superior ao de 2005, ano zero de adoção da ILP na propriedade.
Reis apresentou um gráfico representativo das principais atividades dos três componentes da ILPF em um experimento em Sinop, mostrando a sobreposição de atividades no mesmo período do ano. “Os sistemas ILPF respondem do ponto de vista econômico, mas o trabalho não é simples. Se o produtor não estiver preparado, pode ter problemas. Portanto, o planejamento é decisivo”, explicou.
Ao final da apresentação, o pesquisador mostrou um mapa com os resultados econômico-financeiros já refinados de cinco experimentos com diferentes arranjos de ILPF no Mato Grosso analisados com a metodologia. “Esses são os resultados do que entra de fato no bolso do produtor depois que ele pagou tudo, inclusive o imposto de renda. Isso é uma grande novidade, do ponto de vista de métrica, que estamos propondo. São valores finalísticos”, afirmou, observando que os números comprovam que os sistemas ILPF são competitivos e lucrativos, inclusive em regiões especializadas em lavoura, como é o caso da Fazenda Platina.
Após as três estações técnicas, os participantes interessados se dirigiram à estação tira-dúvidas, onde puderam conversar com especialistas sobre os sistemas ILP e ILPF, bem como sobre resultados econômicos e estratégias de comercialização. Participaram da estação os pesquisadores João Kluthcouski (Embrapa Cerrados), Abílio Pacheco (Secretaria de Inovação e Negócios da Embrapa) e Bruno Pedreira (Embrapa Agrossilvipastoril); os consultores da Fazenda Santa Brígida Roberto Freitas, Vanderlei Oliveira e Gustavo Bezerra; e o diretor-executivo da Associação Rede ILPF, William Marchió.
Reunião Técnica
Realizada no auditório do Ecologic Ville Resort & Spa, em Caldas Novas, a reunião técnica sobre ILPF trouxe uma visão sobre o contexto e os desafios da agricultura brasileira, bem como da atuação da nova Associação Rede ILPF. Em seguida, foram apresentadas diferentes experiências de produtores com sistemas de integração, com debate com o público participante. Durante o encontro, também foi apresentado aos participantes o aplicativo para smartphone Realidade Aumentada ILPF, desenvolvido pela Embrapa e parceiros da associação para mostrar as transformações dos sistemas de integração em um solo degradado.
O encontro contou com 110 participantes, entre técnicos, produtores rurais, pesquisadores, professores, estudantes, além de representantes das instituições que formam a Associação Rede ILPF, como o chefe geral e o chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Cerrados, Cláudio Karia e Marcelo Ayres; o presidente da John Deere no Brasil, Paulo Herrmann; o presidente do conselho administrativo da Cocamar, Luiz Lourenço; Ana Carneiro, gerente de relações institucionais da Syngenta; Rui Rosa, superintendente executivo do Bradesco; e Lessandro Cavalli, coordenador comercial nacional da Sementes Oeste Paulista (Soesp). Também estiveram presentes o ex-ministro da Agricultura, Alysson Paulinelli, o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio, Francisco Maturro, e o vice-presidente de produtos de varejo da Caixa Econômica Federal, Fábio Lenza.
Na palestra de abertura, o chefe da Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas (SIRE) da Embrapa e presidente do conselho gestor da Associação Rede ILPF, Renato Rodrigues, abordou os desafios do agronegócio brasileiro e as inovações tecnológicas sustentáveis. Ele destacou que, apesar das dificuldades ambientais e da necessidade de produzir preservando a biodiversidade, entre outros desafios, o Brasil conta atualmente com uma agricultura tropical avançada, baseada em ciência, tendo transformado solos pobres e ácidos em terras férteis; tropicalizado culturas, animais e sistemas de produção; e desenvolvido uma plataforma de práticas sustentáveis. “A inovação no setor agropecuário está no dia a dia das propriedades e da pesquisa. Ela é uma realidade”, afirmou.
Como resultado, o País alcançou a soberania alimentar em tempo recorde e a agricultura se tornou pouco dependente de subsídios. Com a adoção de tecnologias poupa-terra, muitas delas desenvolvidas pela Embrapa e parceiros nos últimos 40 anos, os incrementos em produtividade e produção de grãos foram mais de 10 vezes superiores ao aumento da área utilizada para a agricultura.
Rodrigues comentou sobre os baixos níveis de emissão de gases de efeito estufa da agricultura brasileira, apresentando estimativas do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações e destacando o esforço do País em reduzir voluntariamente as emissões no setor, ao mesmo tempo em que a produção aumentou ao longo do tempo. “É sinal de que nossa agricultura está ficando mais eficiente. Isso é resultado de tecnologias como a ILPF e do esforço de pesquisadores e produtores”, disse.
Sobre o uso da terra no Brasil, ele mostrou dados apontando que apenas 8% do território são ocupados por lavouras e florestas plantadas, enquanto 19,7% são ocupados por pastagens. As áreas com vegetação nativa preservada em propriedades rurais representam 11%, enquanto as áreas do Sistema nacional de Unidades de Conservação somam 17%. “Produtores rurais preservam praticamente a mesma quantidade de área que os governos federal, estaduais e municipais. A agricultura no Brasil já é sustentável. Ainda podemos melhorar e estamos melhorando. E a ILPF é o melhor exemplo disso”, comentou.
O chefe da SIRE defendeu que os futuros desafios devem ser encarados como oportunidades. Ele mostrou gráficos sobre o crescimento da população, da urbanização e da variação anual do produto interno bruto mundial. Segundo as projeções, em 2050 haverá 3 bilhões de pessoas tendo que produzir alimentos para 9 bilhões de pessoas. “Para cada desafio há um pacote imenso de oportunidades. Depende da nossa criatividade e do nosso trabalho”, apontou.
Ele lembrou que o futuro da agricultura não está associado apenas à produção de alimentos e energia, mas a um novo paradigma envolvendo questões como água, meio ambiente, combate à pobreza e saúde. “Não dá mais para pensar no setor agrícola desconectado dos outros setores. Tudo isso é fundamental para buscarmos o desenvolvimento de um novo paradigma para a agricultura”, explicou, lembrando que a agricultura está presente em quase todos os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pelas Nações Unidas. “Vamos trazer isso cada vez mais para dentro da Associação Rede ILPF. Já estamos alinhando nossa pesquisa aos ODS”, informou.
Ao estabelecer uma linha do tempo da produção agropecuária – da teoria de Thomas Maltus sobre oferta e demanda de alimentos, em 1798, até 2050 –, Rodrigues apontou que o setor se encontra numa fase de intensificação sustentável da produção, com imensa preocupação com o meio ambiente e as mudanças climáticas. “Nosso desafio das próximas décadas é como alimentar mais de 10 bilhões de pessoas e preservar o meio ambiente. Uma das soluções é a tecnologia da ILPF”, finalizou.
Desafios da Rede ILPF
O presidente da John Deere no Brasil, Paulo Herrmann, discorreu sobre a transformação da Rede de Fomento à ILPF em Associação Rede ILPF e os novos desafios para instituições integrantes da parceria público-privada entre Embrapa, John Deere, Cocamar, Syngenta, Soesp e Bradesco.
Herrmann relembrou a história de adoção da tecnologia ILPF pela Fazenda Santa Brígida em 2006 e a evolução do sistema na propriedade, que diversificou a produção e hoje arrenda outras áreas. “É um exemplo, do ponto de vista econômico e ecológico, de que a tecnologia funciona. Mas para que isso ocorra, é preciso haver uma instituição forte”, disse, homenageando o ex-ministro da Agricultura, Alysson Paulinelli, por ter sido um dos responsáveis pela criação da Embrapa.
“Estamos vivendo um grande momento de ruptura e a ILPF é a ponte que nos leva de uma agricultura extrativista, de clima temperado, para uma agricultura tropical, que é a nossa vocação, o nosso futuro e onde vamos nos destacar”, afirmou Herrmann, lembrando que um levantamento realizado em 2016 indicou a adoção de diferentes sistemas de integração em 11,5 milhões de hectares de terras no Brasil.
Considerada uma nova etapa da reunião das instituições que compunham a antiga rede de fomento, a Associação Rede ILPF foi criada sobre dois pilares, segundo o presidente da John Deere. “O primeiro é a fabricação de gente, de profissionais qualificados para administrar a complexidade que o trópico nos trouxe, com ILPF e agora também com energia e água. Isso não tem fim e não podemos transferir somente para os produtores a responsabilidade da gestão da complexidade”, disse, acrescentando a necessidade de revisão das grades curriculares nas escolas agrárias e da criação de um novo modelo de extensão rural para cumprirem esses objetivos.
O outro pilar, segundo Herrmann, é a transformação da produção com responsabilidade ambiental em dinheiro. “Muita gente pensa que agregação de valor na agricultura é apenas industrializar, moer soja. Penso que vai muito além: é agregar à produção o valor de um serviço ambiental e fazer que a sociedade, que é tão crítica do que os agricultores fazem, pague por isso”, afirmou, defendendo a necessidade de certificação das propriedades e de uma marca para a agricultura brasileira.
Experiências com sistemas ILPF
Em seguida, foi realizada a mesa redonda “Inovando e Lucrando com o ILPF”, moderada pelo diretor-executivo da Associação Rede ILPF, William Marchió, que trouxe os relatos dos produtores rurais Mateus Arantes, da Fazenda São Matheus, em Selvíria (MS); Marco Túlio Paolinelli, da Agronelli Pecuária, de Uberaba (MG); José Leandro Peres, da JP Agropecuária, de Nova Guarita (MT); Arno e Carlos Eduardo Schneider, da Estância Anna Sophia, em Cuiabá (MT); e Filippo Leta, da Agropecuária Fleta, do Rio de Janeiro (RJ). “São produtores de 12 hectares a mais de 8 mil hectares utilizando a ILP e a ILPF”, observou Marchió.
Mateus Arantes falou sobre o Sistema São Matheus, modalidade de ILP desenvolvida na propriedade em parceria com a Embrapa e com base em práticas dos produtores Ake van der Vinne e Krijn Wielemaker, que plantavam soja em braquiária para recuperar pastos em Maracaju (MS). O sistema recupera pastagens degradadas por meio da melhoria da qualidade do solo e do plantio de soja em sucessão ao pasto.
A Fazenda São Matheus está focada na produção de carne e grãos de qualidade. Arantes explicou que o principal fator da integração na propriedade é o solo. “Lá, somos especialistas em recuperar solo, que é a base do sistema. Sem solo bom, não tem produção boa e barata. O que importa é o quanto vai nos sobrar, e para sobrar muito o solo tem que ser bom”, disse, acrescentando que além da integração, a propriedade desenvolve o que chama de “Neloreio a Pasto”, programa de melhoramento genético para incremento da qualidade e do rendimento da carne Nelore produzida a pasto.
Um dos principais desafios da produção na fazenda é a deficiência hídrica por que passa a região de Três Lagoas durante seis meses ao longo do ano. Com a adoção da ILP e ajustes no sistema a partir de 2007, houve maior regularidade na produção de grãos. O produtor apresentou dados sobre os lucros do Sistema São Matheus na fazenda para o ano de 2017. A soja (840 hectares) deve fechar a safra com lucro operacional de R$ 1.935,95/ha, a engorda (200 hectares) em R$ 1.332,45/ha e a cria (375 hectares) em R$ 1.082,90/ha. Na previsão para 2018, o lucro com a engorda deve saltar para R$ 1.907,10/ha (e para R$2.596,10 em 2019) devido à intensificação das passagens e a melhoria do desempenho animal; e a cria para R$ 1.299,48/ha e para R$ 1.624,35 em 2019. Já o lucro com a soja deve chegar a R$ 2.189,25/ha em 2018 e a R$ 2.485,80/ha em 2019.
“A coisa mais importante na integração são as pessoas. E pessoas fazendo o que gostam, no lugar certo. Não é um sistema fácil de ser executado e todo mundo precisa saber exatamente o que tem que fazer. Com isso, você consegue saber em que setor é preciso melhorar”, ensinou.
Produção florestal
Marco Túlio Paolinelli apresentou um vídeo sobre a experiência da fazenda Agronelli com sustentabilidade ambiental a partir da adoção de práticas de conservação do solo, recomposição da mata ciliar, conservação e preservação de nascentes e recuperação de áreas degradadas, que integram o “Projeto Produtor de Água”.
O produtor e empresário abordou também a possibilidade de agregação de valor à produção florestal dos sistemas de integração com fabricação de móveis com madeira de eucalipto seca em estufa, o que garante maior precisão na serragem das toras, menor tempo de processamento e maior vida útil da madeira. “O segredo do eucalipto é a secagem. Temos uma estufa moderna, com oito sensores que indicam o teor de umidade, permitindo o melhor controle da secagem”, explicou, apresentando em seguida fotos de diversos móveis de eucalipto.
Já os produtores Arno e Carlos Eduardo Schneider falaram sobre a experiência da Estância Anna Sophia com a produção de árvores de teca integradas à pastagem. A fazenda tem cerca de 1.900 hectares de pastagens, 100 hectares de teca em sistema adensado e 100 hectares da espécie arbórea em sistema silvipastoril. A teca é nativa do Sudeste asiático, tem madeira nobre e compete com o mogno em preço no mercado internacional.
Em 2000, os produtores resolveram diversificar a produção para não ficarem dependentes da produção de carne, até então o único negócio da fazenda. “Pensou-se em diversas espécies e chegamos à teca. Mas não havia nada escrito, tínhamos que ‘tocar de ouvido’ essa integração com a pecuária, sem saber o que ia acontecer”, lembrou Arno. Após algumas experiências, chegou-se à distribuição das árvores com o espaçamento de 20 m a 25 m entre as linhas e entre 4 m e 5 m dentro da linha, com direcionamento norte-sul para garantir a insolação mais uniforme durante todo o dia.
“O conceito principal do sistema silvipastoril, para mim, é a adição de renda. Tenho que plantar a árvore de modo que não prejudique a pecuária no meu sistema, senão haverá uma substituição de renda”, afirmou, acrescentando que devem ser plantadas no máximo 80 a 100 plantas/ha. “Não posso ser ‘fominha’ nesse sistema. Tenho que pensar no pasto e plantar”, completou.
Segundo o produtor, a maturação econômica da teca no sistema está entre o 15º e o 20º ano do plantio. A distribuição espacial das árvores depende da altura do fuste, da densidade da copa, da espécie e da fertilidade do solo. No sistema dos Schneider, uma tora, após 25 anos, poderia valer entre R$ 800 e R$ 900, o que representaria cerca de R$ 75 mil de renda total ou pelo menos R$ 2 mil/ha no final do período. “É um planejamento de médio a longo prazo e nem todos podem fazer isso. Mas o retorno é interessante”, garantiu.
Carlos Eduardo, filho de Arno, falou sobre o rendimento e o mercado da teca. Principal produtor, o Mato Grosso exporta a maior parte da produção para a India. O produtor fez um inventário de 23 hectares, área onde foi realizado um desbaste comercial no ano passado. Ele contou que, na média, todo o dinheiro investido em 18 anos foi recuperado. “O que ficou nessa área inventariada, de agora em diante, vai ser o que vamos ganhar com o sistema de integração. Nas minhas contas, nesse inventário, temos um estoque de cerca de R$ 400 mil em madeira, ou em torno de R$ 1 mil/ha/ano nos primeiros 17 anos. Como a teca fica mais grossa com o tempo, há um valor agregado, e acreditamos que os números alcancem o que meu pai disse”, projetou.
“Quando começamos a plantar (teca), todo mundo questionava para quem venderíamos, já que não existia mercado no Mato Grosso. No ano passado, debutamos na venda, e foi, dentro da média, uma boa comercialização. Vamos vender novamente este ano, e com muito mais experiência. Certamente, teremos mais sucesso e mais renda para a propriedade”, apostou.
ILP potencializa pecuária
O produtor José Leandro Peres mostrou a experiência com a Fazenda Pontal, propriedade de 8.554 hectares, sendo 54% em floresta nativa. Focada na pecuária de cria, a afazenda buscou na agricultura uma forma de reformar as pastagens e produzir grãos a partir de 2004. No momento, 900 hectares (ou 70% da área agrícola) da fazenda são usados pela ILP.
Peres falou sobre o Sistema Pontal, composto por práticas de gestão da pastagem (GP) que buscam alta produtividade, manejo, tomadas de decisões sobre adubação, reforma ou plantio de soja e a preparação para a estação seca; ILP com foco na atividade pecuária; e estação de monta invertida (EMI).
No sistema, a ILP (sucessão soja-forrageira) busca suprir a demanda alimentar do rebanho nos períodos em que os pastos permanentes apresentam baixa oferta de forragem. “Entre março e julho, a forragem começa a perder qualidade, e aí entra a ILP. Assim, durante 10 meses por ano, temos uma qualidade de pasto superior para conseguirmos manter a taxa de lotação dos animais”, explicou. A produção estimada de soja fica em torno de 3.840 kg/ha. “A agricultura nos trouxe a tecnificação, que estamos unindo a uma pecuária tecnificada. Temos dias para começar e para terminar o plantio pós-soja”, completou.
Na área com integração, a taxa de lotação na seca é de 2,7 UA/ha a 3 UA/ha, com ganhos de peso médios individuais diários de 0,7 kg a 1 kg, dependendo da categoria do animal. Segundo o produtor, a ILP viabiliza a EMI, realizada entre junho e setembro e que entre outras vantagens permite a entrada dos animais em estação de monta com melhor condição corporal, o desmame e abate dos bezerros no mesmo ano, além de facilitar a comercialização de bezerros no período das águas.
O rebanho da fazenda gira em torno de 7 mil cabeças de gado em 2.700 hectares, sendo 2.430 na área com ILP. Na cria, são produzidas quase 11@/ha/ano, mais 9@/ha/ano na área com integração. O faturamento com vacas de descarte, venda de bezerros, confinamento, bezerras para aumento de plantel e soja na safra 2017/18 foi estimado em R$ 2.573,81/ha na área produtiva.
Diversificação na pequena propriedade
O produtor Fillipo Leta falou sobre o sítio herdado do avô e que administra com o pai na capital fluminense. Em 12 hectares, coqueiros são integrados a bovinos, caprinos, suínos e aves, além de forrageiras. Em outra propriedade, de 50 hectares, é explorado o eucalipto solteiro, cuja produção é vendida como lenha. “A herança mais importante que recebemos do meu avô foi a questão do aproveitamento do espaço. E a gente vem buscando profissionalizar o negócio”, lembrou.
A fazenda comercializa principalmente água de coco (da propriedade e adquirido de outras propriedades, sendo envasada no próprio sítio), lenha e leite de cabra, além de leite de vaca, ovo caipira e suínos. O produtor destacou a proximidade do sítio ao mercado consumidor e a boa relação com os pontos de venda. “Conseguimos escoar todos os nossos produtos com certo valor agregado”, apontou. O faturamento geral das vendas, incluindo o envasamento da água de coco e os cocos adquiridos externamente, é de cerca de R$ 170 mil mensais, enquanto o faturamento médio mensal com o que é produzido dentro do sítio é de R$ 32 mil.
Depois que assumiram o negócio, ele e o pai visaram ao aumento da eficiência produtiva, tratando a propriedade como empresa. Para isso, buscaram diversificar as formas de renda, agregar valor aos produtos e valorizar a equipe dentro de um sistema complexo – a própria natureza. “Sempre assumimos que nossas decisões podem estar erradas. Por isso, o planejamento se tornou planejar-monitorar-controlar-replanejar. E tudo isso de modo a ser regenerativo para o meio ambiente, a dar qualidade de vida para as pessoas envolvidas e a ser economicamente viável”, explicou, justificando a adoção do sistema agrossilvipastoril.
Para o produtor, o sistema é visto como uma mímica da natureza e deve ser planejado integralmente. Ele citou a adoção de medidas de manejo dos animais, como o uso de cerca eletroplástica, o planejamento da movimentação do gado e o plano de pastoreio, além da agregação de matéria orgânica ao pasto. “O mais interessante de tudo é ver como o nosso solo vem melhorando ao longo do tempo. Isso mostra que o pastoreio é uma ferramenta incrível para recuperação de solo quando bem feito”, comentou.
Leta e o pai criaram a marca “Ah Pashto” para o leite de cabra, neutro em metano entérico e certificado por um projeto chamado “Pecuária Neutra”, e para a lenha, que tem certificação de origem sustentável. Segundo o produtor, o plantio de seis hectares de eucalipto no sítio é capaz de neutralizar as emissões de gás metano de 238 cabras. O produtor explicou que o projeto tem como objetivo promover a pecuária regenerativa, que além de prestar serviços ambientais remunera o produtor. “Já passamos do ponto em que preservar a natureza está de um lado e produzir está de outro. As duas coisas já caminham de mãos dadas, e muito bem”, observou.
Ele citou as diferentes integrações realizadas no sítio, como a roçagem e adubação de um bananal realizada por cabras; coqueiros (frutos), acácias (lenha) e a gramínea tifton (feno) na mesma área por até quatro anos; os suínos que preparam naturalmente o solo para o plantio da pastagem; o plantio de nabo forrageiro para descompactação do solo antes do plantio do pasto; e o uso de resíduos de alimentos para alimentação de galinhas poedeiras.
O produtor salientou a necessidade de aumentar a capacidade dos sumidouros de gases de efeito estufa, como os solos os oceanos e as plantas. “Com os sistemas de integração, temos o potencial de poder equilibrar a nossa atmosfera e ao mesmo tempo produzir comida para a população”, afirmou, lembrando que os consumidores cada vez mais querem saber sobre a origem dos alimentos e como são produzidos. “Nosso sonho é que a pecuária convencional seja essa (integrada), que daqui a alguns anos a gente fale sobre algo que hoje nem imaginamos”, concluiu.
Novos membros
Com a criação da Associação Rede ILPF, o banco Bradesco e a empresa de sementes Soesp se juntaram às instituições que formavam a Rede de Fomento à ILPF – Embrapa, John Deere, Cocamar e Syngenta. Rui Rosa afirmou que o Bradesco é o banco privado que mais opera no agronegócio brasileiro, com uma carteira de R$ 23 bilhões, de acordo com dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). “Mas a gente acha que é pouco. Temos muito interesse no agronegócio. Entendemos que esta fase da ILPF vem agregar muito para nós, tanto nas estratégias de crescimento do banco como em novas oportunidades. O mercado vai mudar e precisaremos de novas fontes de recursos”, disse.
Lessandro Cavalli lembrou que a Soesp já trabalha há 10 anos com ILPF. “Somos apaixonados por ILPF. Ficávamos na plateia olhando essa rede crescer. Hoje, estamos dentro da Associação Rede ILPF para crescermos juntos, colher os frutos e disseminá-los para onde formos”, declarou.