“Quando se fala em sustentabilidade do ambiente, pensamos em quais ações devem ser realizadas para não poluir, preservar áreas naturais, reciclar o lixo, economizar água, dar preferência às fontes alternativas de energia. Entretanto, raramente lembramos que o ato de nos alimentar também pode causar impactos negativos ao meio ambiente”.
Esta foi a tônica do pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos (Rio de Janeiro, RJ) Antonio Gomes Soares, em palestra no 8º Fórum Mundial da Água, em Brasília. Ele esteve no evento na terça-feira (20), na sessão “Água e processamento de alimentos: redução, otimização e reuso de resíduos”.
Para uma plateia atenta, Soares falou do trabalho da Embrapa para evitar o desperdício de alimentos na produção, na colheita, no acondicionamento, na comercialização e na mesa do consumidor.
O pesquisador mostrou dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) de que aproximadamente um terço dos alimentos produzidos no mundo para consumo humano, se perde ou é desperdiçado. Isso representa 1,3 bilhão de toneladas por ano não aproveitadas. “É comida jogada no lixo que soma um desperdício de cerca de 170 trilhões de litros de água por ano. Isso representa algo em torno de 24% de toda a água utilizada na agricultura”, enfatizou.
De acordo com Soares, quando se pensa em quanto de água é consumida ao longo do dia, é comum lembrar apenas das ações cotidianas, como tomar banho, preparar a comida, escovar os dentes, lavar o carro ou as roupas. Em geral, não se percebe que também existe o “gasto invisível”, que é a quantidade usada durante a produção de praticamente tudo o que é consumido. É fundamental ter consciência desse consumo invisível de água, que é tão ou até mais importante que os gastos visíveis.
A Terra possui 1,4 milhão de quilômetros cúbicos de água, mas apenas 3% são de água doce. Destes, apenas 0,26% pode ser aproveitado. Para o pesquisador, são números que preocupam, quando se analisa relatórios da Organização Nacional das Nações Unidas (ONU) mostrando que a população mundial vem crescendo em cerca de 80 milhões de pessoas por ano, o que implica em demanda maior de água doce de cerca de 64 bilhões de metros cúbicos por ano.
De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), o Brasil é considerado a maior potência hídrica do mundo, com 13% da água doce superficial do planeta. Entretanto, o País convive com problemas de escassez e de falta de abastecimento em diversas regiões.
Existe desperdício?
As estatísticas assustam, quando preveem que em 2025, 1,8 bilhão de pessoas viverá em países ou regiões com escassez absoluta de água, e dois terços da população mundial podem estar em condições de estresse.
De acordo com a FAO, a agricultura (70%) e a indústria (22%) são os segmentos que mais utilizam recursos hídricos. O abastecimento doméstico é responsável por apenas 10% do consumo mundial. E, segundo dados da ONU, cada pessoa consome diariamente de 2 a 5 mil litros de “água invisível” contida nos alimentos. Para chegar a esses números, os pesquisadores analisam toda a cadeia de produção de um bem de consumo. Por exemplo, a produção de uma única maçã consome 125 litros de água.
Soares citou também estudos que avaliam o desperdício da água utilizada para irrigar cultivos agrícolas que resultam em lixo, e não em alimentos na mesa do consumidor. Trabalhos que levam em conta também o desperdício de água dos sistemas de irrigação utilizados em várias culturas no mundo, como os aspersores e sistemas de pivô central.
Tem solução?
O pesquisador disse ter certeza que sim. “Uma simples troca ou a adaptação da irrigação para sistemas de gotejamento poderia contribuir para a diminuição drástica do desperdício de água na produção agrícola”. Portanto, a adoção de práticas agrícolas mais sustentáveis pode ajudar na redução do grande volume de água hoje desperdiçado.
De acordo com estudos do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a agricultura é responsável pelo consumo de quase 70% da água disponível no Brasil. No entanto, esse recursos é em grande parte desperdiçado, especialmente na distribuição.
Os sistemas de irrigação adotados no País são responsáveis pelo desperdício de água na agricultura. Por isso, é muito importante procurar novas tecnologias e conhecimentos que não só ajudarão a preservar os recursos naturais, mas também resultarão em maior eficiência de distribuição. A Embrapa vem desenvolvendo pesquisas para solucionar esse problema, segundo Soares.
Desperdícios no consumo
O pesquisador falou também sobre o que a pesquisa tem feito para minimizar o desperdício na colheita e no consumo de alimentos e, consequentemente, na água utilizada na produção. Pesquisas realizadas pela Embrapa Agroindústria de Alimentos apontam que as perdas no segmento de frutas e hortaliças atingem em média 30% e 35%, respectivamente.
As principais causas das perdas e desperdícios de frutas e hortaliças são: manuseio inadequado no campo; embalagens e transporte inadequados; não uso da cadeia do frio; classificação não padronizada; comercialização a granel; desconhecimento de técnicas de manuseio pré e pós-colheita; excesso de “toque”, pelos consumidores, nos produtos; acúmulo de produtos nas gôndolas de exposição de varejo; deficiência gerencial e administrativa nos centros atacadistas.
“É importante salientar que desperdiçar alimentos é jogar dinheiro fora. Mas, mais importante que isso é a falta de conscientização com as pessoas que não têm acesso ao alimento no Brasil e no mundo”, enfatizou Soares. Além disso, “ao desperdiçar alimentos ou aumentar as perdas de alimentos durante a cadeia de produção, comercialização e consumo, aumenta também a emissão adicional de gases de efeito estufa, uma vez que grande parte desse desperdício é jogada em aterros sanitários”.