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Artigo – Plataforma tecnológica para o gerenciamento compartilhado de água

Lineu Neiva Rodrigues, pesquisador da Embrapa Cerrados (Planaltina, DF)

Os recursos hídricos, apesar de renováveis, são limitados e nem sempre suficientes para atender a demanda de todos os usuários, fazendo-se necessário planejar o seu uso. O fato é que a insuficiência de água para o atendimento às demandas instaladas e esperadas em uma bacia hidrográfica tende a gerar conflitos intra e intersetoriais em torno desse recurso, fazendo que governos e comunidades tenham que intervir em sua gestão.

No Brasil, a gestão de recursos hídricos desenvolveu-se com maior intensidade e vigor nas unidades da federação e nas bacias hidrográficas onde eram – e ainda são – percebidos conflitos relacionados às restrições ao acesso à água, tanto por questões relacionadas à baixa disponibilidade quanto por questões relacionadas ao excesso da demanda. Notadamente, até o final do século passado, os principais problemas relacionados ao acesso à água eram verificados com maior intensidade apenas no semiárido nordestino, no entorno das grandes cidades brasileiras e, pontualmente, em áreas específicas de Estados do Sul e do Sudeste, segundo relatório da Agência Nacional de Águas (ANA) de 2014.

Esse mesmo relatório destaca que, atualmente, outras regiões do País onde o desenvolvimento acelerado e não planejado, associado à inexistência de planejamento intersetorial de longo prazo, também começam a apresentar os primeiros conflitos intra e intersetoriais em torno da demanda e da oferta de recursos naturais, entre os quais a água. Esse é o caso, por exemplo, de várias bacias hidrográficas do Bioma Cerrado.

O Brasil é um país de dimensões continentais com grandes diferenças sociais, climáticas, ambientais e econômicas, o que faz da gestão uma atividade muito mais complexa. Fazer a gestão de recursos hídricos de forma igualitária em todo o País pode levar a conflitos em bacias hidrográficas, principalmente naquelas bacias que já se encontram em estado crítico em termos de disponibilidade hídrica. Essas bacias precisam receber uma atenção especial, com monitoramentos e análises mais detalhadas e precisas.

O gerenciamento de recursos hídricos implica alocar os recursos entre os diversos usuários, reduzindo os conflitos e trazendo segurança hídrica. O desafio é alocar esse recurso em um ambiente onde a oferta e a demanda hídrica são variáveis. A demanda hídrica da irrigação, por exemplo, principal usuária de recursos hídricos, é bastante diferente das demais categorias de usuários, uma vez que ela é bastante variável, podendo, para um mesmo período, variar em mais de 100% de um ano para outro. Essa característica dificulta o processo de gestão da água, principalmente quando feita utilizando-se valores de outorga estáticos. A outorga deve ser um instrumento dinâmico que se adapte às especificidades de cada setor, sem favorecimentos.

A outorga dos direitos de uso de recursos hídricos é um dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos e visa trazer segurança hídrica para o usuário, mas não pode ser um elemento limitador do desenvolvimento. Quando fornecida com base em um valor único para todo o ano, a outorga traz incertezas para as atividades econômicas e insatisfação para o usuário, pois o fato de se ter mais água no rio na maior parte do tempo deixa o usuário, no caso o irrigante, sempre com a impressão de que a alocação de água não foi realizada de forma adequada.

A tendência atual é de que regiões críticas em termos de disponibilidade hídrica sejam tratadas de forma diferenciada, principalmente no que diz respeito à outorga e ao gerenciamento. Relatório da ANA (2014) destaca que especificamente em relação à existência de conflitos pelo uso da água, o Estado de Minas Gerais criou a Declaração de Área de Conflito, recomendando que nas regiões onde se identifiquem conflitos causados por altas demandas e baixa oferta de água, devido a situações ambientais ou econômicas, seja realizado um processo único de outorga que contemple todos os usuários da bacia, de maneira a adequar os usos à disponibilidade hídrica existente, sem ultrapassar a capacidade dos mananciais, mantendo o fluxo residual de água a jusante das captações.

Com a variabilidade climática cada vez mais acentuada e o consequente aumento das incertezas, o gerenciamento torna-se cada vez mais dependente de ferramentas robustas, cabendo adotar um gerenciamento cada vez mais estratégico e preventivo para não deixar os conflitos se agravarem (Rodrigues, 2014). Em um ambiente cada vez mais complexo, é fundamental adotar o caminho de aliar, de um lado, técnica e conhecimento hidrológico e climatológico e, de outro, a participação popular no processo decisório, bem como dos níveis de risco de desabastecimento que os usuários estão dispostos a correr.

A gestão compartilhada de água é uma das formas mais interessantes e promissoras de se fazer gestão de recursos hídricos. Ela encontra respaldo na atual legislação de recursos hídricos, que estabelece que a gestão desses recursos deve ser descentralizada e contar com a participação dos usuários de água e das comunidades (Rodrigues, 2014).

No caso da gestão compartilhada, a ideia central é que as Agências de Águas definam uma quantidade mínima de água (vazão) que deve passar a todo instante em secções de controles pré-definidas e localizadas em locais específicos do curso de água. Nessas secções, será realizado um monitoramento intensivo e os usuários localizados à montante dessa secção de controle poderão se organizar e utilizar a água de acordo com um planejamento pré-estabelecido por eles, desde que sempre deixem no rio uma quantidade de água igual ou maior à que foi previamente acordada com as Agências. Ou seja, os usuários terão autonomia na alocação de recursos hídricos, podendo alocar mais água para os usos e assumir o risco de ter que reduzir essa quantidade utilizada em tempos de baixa disponibilidade hídrica.

Essa forma de gerenciar a água traz mais flexibilidade para o usuário e mais responsabilidade. Nesse ambiente, o espírito de comunidade tem que ser maior e o usuário tem que ter uma visão mais ampla do sistema hídrico, necessitando dialogar com os demais usuários. Para isso, será fundamental a utilização de ferramentas de fácil acesso e uso para apoiar as decisões. Uma ferramenta que se preste a essa finalidade deve ser dinâmica e capaz de fornecer informações sobre a demanda e a oferta hídrica atual.

Visando criar esse ambiente para facilitar a prática da gestão compartilhada da água e a organização dos usuários, a Embrapa e suas parceiras iniciaram um projeto, financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal, pelo Ministério da Agricultura e pela ANA, com o objetivo de desenvolver uma plataforma tecnológica para apoiar o gerenciamento compartilhado de água em bacias hidrográficas com predominância de agricultura irrigada.

A plataforma será constituída por um ambiente de planejamento (cenário futuro) e um ambiente de manejo (situação atual). Os ambientes serão constituídos por módulos. O módulo da demanda hídrica, por exemplo, reunirá ferramentas para informar sobre a demanda hídrica necessária em dado momento em determinado trecho do rio. O sistema calculará diariamente as necessidades hídricas das culturas localizadas em uma determinada região da bacia. Quando for o momento de um determinado usuário irrigar, o sistema enviará uma mensagem ao seu telefone celular informando o quanto ele precisa irrigar, quantas pessoas necessitam irrigar juntamente com ele e se há água suficiente no rio para atender a todas as demandas. Caso não haja água suficiente no rio, o sistema irá apresentar algumas estratégias de irrigação que podem ser adotadas ou não pelos usuários. Serão várias as ferramentas utilizadas na estimativa da demanda, inclusive modelos que utilizam dados satelitais.

O projeto visa desenvolver um produto tecnológico que possa ser efetivamente apropriado pelos gestores e usuários de recursos hídricos. Espera-se que os modelos matemáticos e computacionais que serão desenvolvidos e organizados na plataforma possam auxiliar os gestores, associações e usuários nas tomadas de decisões que têm impactos sociais e econômicos, como, por exemplo, definir como a água será alocada em uma determinada região. A previsão é de que a plataforma esteja disponível para ser testada em uma área piloto no fim de 2019.

AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Subsídios para a discussão da compatibilização da geração de energia hidrelétrica com expansão da agricultura irrigada na bacia do rio São Marcos. Brasília, DF, 2014. 64 p.
Rodrigues, Lineu N; SILVA, L. M. C.; FREITAS, M. A. S. Reservação: Planejamento e gerenciamento da água com vistas à redução de conflitos. ITEM. IRRIGAÇÃO E TECNOLOGIA MODERNA, v. 100, p. 34-38, 2014.

Lineu Neiva Rodrigues, pesquisador da Embrapa Cerrados (Planaltina, DF)

Os recursos hídricos, apesar de renováveis, são limitados e nem sempre suficientes para atender a demanda de todos os usuários, fazendo-se necessário planejar o seu uso. O fato é que a insuficiência de água para o atendimento às demandas instaladas e esperadas em uma bacia hidrográfica tende a gerar conflitos intra e intersetoriais em torno desse recurso, fazendo que governos e comunidades tenham que intervir em sua gestão.

No Brasil, a gestão de recursos hídricos desenvolveu-se com maior intensidade e vigor nas unidades da federação e nas bacias hidrográficas onde eram – e ainda são – percebidos conflitos relacionados às restrições ao acesso à água, tanto por questões relacionadas à baixa disponibilidade quanto por questões relacionadas ao excesso da demanda. Notadamente, até o final do século passado, os principais problemas relacionados ao acesso à água eram verificados com maior intensidade apenas no semiárido nordestino, no entorno das grandes cidades brasileiras e, pontualmente, em áreas específicas de Estados do Sul e do Sudeste, segundo relatório da Agência Nacional de Águas (ANA) de 2014.

Esse mesmo relatório destaca que, atualmente, outras regiões do País onde o desenvolvimento acelerado e não planejado, associado à inexistência de planejamento intersetorial de longo prazo, também começam a apresentar os primeiros conflitos intra e intersetoriais em torno da demanda e da oferta de recursos naturais, entre os quais a água. Esse é o caso, por exemplo, de várias bacias hidrográficas do Bioma Cerrado.

O Brasil é um país de dimensões continentais com grandes diferenças sociais, climáticas, ambientais e econômicas, o que faz da gestão uma atividade muito mais complexa. Fazer a gestão de recursos hídricos de forma igualitária em todo o País pode levar a conflitos em bacias hidrográficas, principalmente naquelas bacias que já se encontram em estado crítico em termos de disponibilidade hídrica. Essas bacias precisam receber uma atenção especial, com monitoramentos e análises mais detalhadas e precisas.

O gerenciamento de recursos hídricos implica alocar os recursos entre os diversos usuários, reduzindo os conflitos e trazendo segurança hídrica. O desafio é alocar esse recurso em um ambiente onde a oferta e a demanda hídrica são variáveis. A demanda hídrica da irrigação, por exemplo, principal usuária de recursos hídricos, é bastante diferente das demais categorias de usuários, uma vez que ela é bastante variável, podendo, para um mesmo período, variar em mais de 100% de um ano para outro. Essa característica dificulta o processo de gestão da água, principalmente quando feita utilizando-se valores de outorga estáticos. A outorga deve ser um instrumento dinâmico que se adapte às especificidades de cada setor, sem favorecimentos.

A outorga dos direitos de uso de recursos hídricos é um dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos e visa trazer segurança hídrica para o usuário, mas não pode ser um elemento limitador do desenvolvimento. Quando fornecida com base em um valor único para todo o ano, a outorga traz incertezas para as atividades econômicas e insatisfação para o usuário, pois o fato de se ter mais água no rio na maior parte do tempo deixa o usuário, no caso o irrigante, sempre com a impressão de que a alocação de água não foi realizada de forma adequada.

A tendência atual é de que regiões críticas em termos de disponibilidade hídrica sejam tratadas de forma diferenciada, principalmente no que diz respeito à outorga e ao gerenciamento. Relatório da ANA (2014) destaca que especificamente em relação à existência de conflitos pelo uso da água, o Estado de Minas Gerais criou a Declaração de Área de Conflito, recomendando que nas regiões onde se identifiquem conflitos causados por altas demandas e baixa oferta de água, devido a situações ambientais ou econômicas, seja realizado um processo único de outorga que contemple todos os usuários da bacia, de maneira a adequar os usos à disponibilidade hídrica existente, sem ultrapassar a capacidade dos mananciais, mantendo o fluxo residual de água a jusante das captações.

Com a variabilidade climática cada vez mais acentuada e o consequente aumento das incertezas, o gerenciamento torna-se cada vez mais dependente de ferramentas robustas, cabendo adotar um gerenciamento cada vez mais estratégico e preventivo para não deixar os conflitos se agravarem (Rodrigues, 2014). Em um ambiente cada vez mais complexo, é fundamental adotar o caminho de aliar, de um lado, técnica e conhecimento hidrológico e climatológico e, de outro, a participação popular no processo decisório, bem como dos níveis de risco de desabastecimento que os usuários estão dispostos a correr.

A gestão compartilhada de água é uma das formas mais interessantes e promissoras de se fazer gestão de recursos hídricos. Ela encontra respaldo na atual legislação de recursos hídricos, que estabelece que a gestão desses recursos deve ser descentralizada e contar com a participação dos usuários de água e das comunidades (Rodrigues, 2014).

No caso da gestão compartilhada, a ideia central é que as Agências de Águas definam uma quantidade mínima de água (vazão) que deve passar a todo instante em secções de controles pré-definidas e localizadas em locais específicos do curso de água. Nessas secções, será realizado um monitoramento intensivo e os usuários localizados à montante dessa secção de controle poderão se organizar e utilizar a água de acordo com um planejamento pré-estabelecido por eles, desde que sempre deixem no rio uma quantidade de água igual ou maior à que foi previamente acordada com as Agências. Ou seja, os usuários terão autonomia na alocação de recursos hídricos, podendo alocar mais água para os usos e assumir o risco de ter que reduzir essa quantidade utilizada em tempos de baixa disponibilidade hídrica.

Essa forma de gerenciar a água traz mais flexibilidade para o usuário e mais responsabilidade. Nesse ambiente, o espírito de comunidade tem que ser maior e o usuário tem que ter uma visão mais ampla do sistema hídrico, necessitando dialogar com os demais usuários. Para isso, será fundamental a utilização de ferramentas de fácil acesso e uso para apoiar as decisões. Uma ferramenta que se preste a essa finalidade deve ser dinâmica e capaz de fornecer informações sobre a demanda e a oferta hídrica atual.

Visando criar esse ambiente para facilitar a prática da gestão compartilhada da água e a organização dos usuários, a Embrapa e suas parceiras iniciaram um projeto, financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal, pelo Ministério da Agricultura e pela ANA, com o objetivo de desenvolver uma plataforma tecnológica para apoiar o gerenciamento compartilhado de água em bacias hidrográficas com predominância de agricultura irrigada.

A plataforma será constituída por um ambiente de planejamento (cenário futuro) e um ambiente de manejo (situação atual). Os ambientes serão constituídos por módulos. O módulo da demanda hídrica, por exemplo, reunirá ferramentas para informar sobre a demanda hídrica necessária em dado momento em determinado trecho do rio. O sistema calculará diariamente as necessidades hídricas das culturas localizadas em uma determinada região da bacia. Quando for o momento de um determinado usuário irrigar, o sistema enviará uma mensagem ao seu telefone celular informando o quanto ele precisa irrigar, quantas pessoas necessitam irrigar juntamente com ele e se há água suficiente no rio para atender a todas as demandas. Caso não haja água suficiente no rio, o sistema irá apresentar algumas estratégias de irrigação que podem ser adotadas ou não pelos usuários. Serão várias as ferramentas utilizadas na estimativa da demanda, inclusive modelos que utilizam dados satelitais.

O projeto visa desenvolver um produto tecnológico que possa ser efetivamente apropriado pelos gestores e usuários de recursos hídricos. Espera-se que os modelos matemáticos e computacionais que serão desenvolvidos e organizados na plataforma possam auxiliar os gestores, associações e usuários nas tomadas de decisões que têm impactos sociais e econômicos, como, por exemplo, definir como a água será alocada em uma determinada região. A previsão é de que a plataforma esteja disponível para ser testada em uma área piloto no fim de 2019.

AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Subsídios para a discussão da compatibilização da geração de energia hidrelétrica com expansão da agricultura irrigada na bacia do rio São Marcos. Brasília, DF, 2014. 64 p.
Rodrigues, Lineu N; SILVA, L. M. C.; FREITAS, M. A. S. Reservação: Planejamento e gerenciamento da água com vistas à redução de conflitos. ITEM. IRRIGAÇÃO E TECNOLOGIA MODERNA, v. 100, p. 34-38, 2014.

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